Quando é hora de desistir?

Por Eduardo Fonseca Junior
24/04/2023

 

Você monta o seu aquário, se prepara, segue todas as recomendações que tem conhecimento, presta atenção nos detalhes, fica atento ao que precisa ser feito para os problemas não evoluírem e tudo parece estar dando certo. Em algum momento, pode ser no logo no início ou depois de um certo tempo em que as coisas pareciam se estabilizar, o aquário começa a desandar; as plantas parecem estar bem, mas as algas persistem, a princípio apenas de forma incômoda e irritante, mas logo assumem a forma de um surto com evidentes prejuízos ao desempenho de todo o sistema. Não importa o que faça, mesmo seguindo as recomendações de pessoas mais experientes, o aquário não se alinha, aliás, às vezes parece até piorar.

 

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 Figura 1 – Aquário em surto persistente de causas desconhecidas.

               Todo aquarista já passou por isso em alguma parte da sua vida. Se não passou, ou é muito bom, ou muito sortudo, ou ainda não foi aquarista por tempo suficiente para acontecer. É tão frustrante, que as pessoas começam a pensar em desistir do aquário e começar um novo. Algumas desistem até do hobby, infelizmente. Mas será que esse raciocínio faz sentido? Vez ou outra, algumas pessoas me procuram tentando resolver problemas persistentes com seus aquários e acabam revelando a vontade de recomeçar. Nem sempre eu consigo ajudar muito olhando apenas as fotos, sem ter a “vivência” do aquário, seu histórico “na minha mão”. Eu faço uma revisão nos fundamentos e tento encontrar falhas básicas, mas mesmo que elas existam, não é sempre que possam ser consideradas as verdadeiras causas do problema. Seria muito injusto encontrar qualquer inconsistência e aponta-la como o centro do problema e fazer as pessoas correrem em círculos. Às vezes eu simplesmente não consigo ajudar e não tenho muito a dizer. Você acha que conseguiria apontar as causas de uma criança com problemas comportamentais dizendo simplesmente que é falta bronca? A quem tem a língua afiada para dizer que sim, eu mudo a pergunta: você apostaria toda as suas economias e patrimônio nessa afirmação? Foi o que eu pensei… Quando eu tento ajudar os aquaristas, eu aposto minha reputação, a credibilidade dos meus livros, das minhas aulas e do meu bom senso. Ajudar não é tão simples, não bastam dicas, eu preciso encontrar algum caminho que tenha realmente alguma chance de ser verdadeiro, mas simplesmente há vezes que é impossível porque as causas não são evidentes. Infelizmente, algumas coisas precisam ser vividas tão somente por nós em nossas vidas e o aquário faz parte disso. O aquário plantado, vez ou outra, nos testa mesmo e o máximo que podemos fazer é revisar nossos fundamentos e reconhecer a oportunidade de aperfeiçoá-los. Será que desistir não nos pouparia desse benefício?

Quero esclarecer algumas observações que levo como fundamentos da minha experiência. Veja se corresponde aos seus fundamentos:

1-   Na maior parte das vezes, o problema é um surto de algas. Algas podem ter, basicamente, seis causas, nessa ordem de probabilidade:

  1. a.      Biofiltro imaturo (no caso de aquários novos) ou com baixo rendimento. Algas marrons em aquários maduros não é normal e são um provável sinal de filtros com problemas. Podem estar sujos demais, o KH baixo demais, o pH baixo demais, água quente demais, peixes alimentados demais, peixes demais etc. Se tem alga marrom é porque tem nitrito no sistema. Algas verdes do tipo “poeira verde” também podem aparecer na presença de amônia. É nessa hora que precisamos ficar atentos ao KH, pois os bicarbonatos (junto com o CO2, conforme meu último artigo) são as fontes de alimento das bactérias que mantém o sistema limpo. Talvez a aeração noturna ajude a melhorar as condições de nitrificação durante o período do escuro, convenientemente mais longo que o período de luz.

Aí aparecem vez ou outra alguns espertalhões teóricos dizendo que essa história de KH é um mito, que o filtro nitrifica mais com bactérias do tipo arqueias que com as tradicionais nitrossomonas e nitrobacter. Bem, nós sabemos que elas estão presentes no biofiltro, mas com qual rendimento? Se isso fosse relevante, então por que aquários com KH baixo simplesmente não se alinham? Experimente fornecer 50 ppm de CO2 com KH baixo e veja no que seu aquário vai se transformar. Algumas informações possuem de fato conteúdo verdadeiro, mas na prática se provam irrelevantes porque há muitas outras variáveis envolvidas que não estão contidas no enunciado verdadeiro. É como treinar musculação sob a tutela desses rapazes de meia de cano alto e shorts de taquetel recém formados com 1,80 m pesando 72 Kg falando para o cidadão com 50 cm de bíceps que ele está fazendo a rosca direta errado porque está “roubando”. Já viram o Schwarzenegger treinando? Ele não treinava o fundamento isolado do enunciado dos livros, ele treinava a força bruta, como um animal, mas ele respeitava seu corpo porque tinha alguma teoria. Vocês podem ficar um pouco desorientados com o que eu vou dizer agora por causa de todos os livros que escrevi teorizando o aquário plantado; mas eu nunca quis teorizar demais as coisas. Eu só quis fornecer subsídio teórico para orientar a prática, mas a prática se sustenta por si própria. Não sigam todas as regras. Ajam, errem e entendam o erro pela teoria, mas por meio da prática. Raramente o erro pode ser conhecido antes de ser cometido.

 

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 Figura 2 – Aquário recém montado passando pela fase das algas marrons associadas às cianobactérias num nível além do aceitável por prejudicar as plantas.

  1. b.     Falta de CO2. Um problema muito comum. As pessoas ainda estão seguindo as tabelas da internet que consideram 30 ppm um excesso e sofrem com algas peteca e todo tipo de algas verdes. Segundo o livro Limnology de Robert G. Wetzel, uma das maiores autoridades da literatura, as plantas C3 aquáticas precisam de 30 vezes mais CO2 que as plantas terrestres para saturar a fotossíntese. Ainda, segundo ele, as plantas imersas precisam entre 30 e 70 ppm de CO2 para saturar a fotossíntese. Para quem gosta de números, aí estão alguns. Por que ainda insistimos tanto em achar que 30 ppm é o máximo se é o mínimo? Isso já vinha sendo falado desde Tom Barr, mas as pessoas, por alguma razão, prestam pouca atenção nisso. As plantas ficam operando o ciclo fotorrespiratório e lutando contra si mesmas sem muitas chances de acumular carbono suficiente para passar o carro por cima das algas. Aliás, vocês sabiam que na fotorrespiração as plantas liberam amônia? Tudo bem, eu nunca havia falado sobre isso antes, eu descobri isso há pouco tempo também.
  2. c.      Plantas sofrendo deficiências nutricionais. Infelizmente ainda há aquaristas que pensam que fertilização é uma coisa facultativa, um suplemento, algo que melhore algo que já pode ser bom sem ela. Está errado! A fertilização é vital para as plantas. Experimente ter orquídeas com folhas verdes, planas e sem manchas. É impossível sem fertilização semanal. No aquário é a mesma coisa, as plantas são muito vorazes por nutrientes e não conseguem depender somente do substrato fértil. Mas considerando que você atenda esse requisito, observe se não há um enfraquecimento geral das plantas como caules finos, pelados, escuros, com rebrotações lentas, atrofiadas, lesões, formatos de folhas fora do padrão, geralmente menores e mais tímidos. As algas vão aproveitar a fraqueza delas e é provável que inclusive se alimentem delas, como as algas peteca, aproveitando a amônia e o fósforo fornecido pela decomposição dos órgãos afetados, geralmente os mais velhos. Talvez precise do olho clínico de um aquarista mais experiente que você para identificar essas coisas. Se esse for o caso, é preciso ponderar se é melhor baixar o ritmo do aquário para tentar recuperar seu passo, ou se de repente é melhor dar mais ritmo e vigor para o aquário para, além de resolver as deficiências nutricionais, aumentar a competição contra as algas pelo aumento do consumo. Quando fazer um ou outro? Essa é uma pergunta difícil de responder… Na maior parte das vezes, eu recomendo baixar o ritmo porque é mais comum as pessoas já estarem puxando bem o metabolismo com luz mais intensa, mas às vezes eu percebo que o aquário parece fraco e as plantas estão reagido pouco. Então aumentar o ritmo pode resolver ou ajudar a resolver o problema. Mas esteja ciente que essa conduta é arriscada, porque antes de melhorar, as coisas podem piorar, uma vez que as algas reagem bem mais rápido metabolicamente que as plantas, mas as vantagens a favor das plantas vão se acumulando até reverter o quadro. Isso é como estar perdendo uma luta contra o Mike Tyson e de repente sair na trocação de soco com ele medindo forças e resistências diretas do tipo “quem cai primeiro”. Tenha muito cuidado com isso. Se existir algum problema nutricional com as plantas, a curva de vantagem das algas sobre o sistema será exponencial. Se esse for o seu último recurso antes de tomar a decisão de desmontá-lo, tudo bem, vá em frente. Pode-se aprender muito fazendo isso.
  3. d.     Baixa densidade vegetal. Aquaristas menos experientes costumam montar e manter aquários com massa vegetal muito baixa em relação ao volume do aquário. Isso vai desequilibrar a relação energia x consumo, de forma que o excesso de energia será aproveitado pelas algas. Principalmente na partida, é imprescindível que haja muita densidade vegetal, a maior possível, mesmo que provisória. Esqueça a ideia (que eu sei que muitos tem) de começar com poucas plantas e ir propagando a densidade com as podas. Uma outra dica é evitar que o substrato fértil fique exposto à luz sem massa vegetal que a ocupe; plante em tudo. No caso de propagar carpetes, plante o máximo possível para que se feche no primeiro ou antes do segundo mês.
  4. e.      Troncos não estabilizados. Aí está um grande problema e não há o que possa ser feito uma vez dentro do aquário. É preciso se certificar que a madeira esteja totalmente inerte, sem casca, sem seiva e, se possível, sem tanino. Ferver a madeira só ajuda a tirar um pouco o tanino, mas não o torna biologicamente inerte. É preciso muitos meses maturando, de preferência sob sol e chuva, para secar completamente por dentro e por fora e ainda assim podem oferecer algum inconveniente temporário no início da montagem. Já vi muitas montagens condenadas por cometer esse erro cujos aquaristas se veem obrigados a desmontá-las porque se tornam um ancoradouro prolífero de algas.

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 Figura 3 – Aquário sofrendo com surto de algas filamentosas decorrentes de madeira não inerte.

  1. f.       Razões químicas destoantes que favoreçam determinadas algas mesmo quando as plantas estão indo muito bem. Isso é possível, embora seja menos comum. Pode acontecer disso estar acontecendo associado aos problemas anteriores. Quanto mais problemas se associam, mais difícil se torna diagnosticar e adotar um plano de ação que vá resolver todos os problemas. Se você desconfia dessa possibilidade, se certifique antes que os outros problemas não estejam presentes também. Se estiverem, conserte-os como prioridade, mesmo que as algas não deem sinais de recuar. Essa já não é uma questão botânica, mas uma questão sistêmica, mas pode estar relacionada a questões botânicas de forma indireta. O exemplo mais proeminente é quando há presença de amônia no sistema de forma a inibir a absorção do nitrato pelas plantas (sim, isso acontece e já foi relatado desde a obra de Diana Walstad). Quando isso ocorre, as plantas vão preferir assimilar a amônia e todo o nitrato fertilizado vai sobrar e interferir na razão N:P. Vê como as coisas podem ser complexas? Olha só como um problema com a filtragem pode interferir no metabolismo vegetal e induzir ao um problema de razão química. E esqueça os testes na hora de lidar com isso; eles não são capazes de detectar nada disso. Se tiver dúvidas sobre esse assunto, recomendo que leiam meu artigo “A Razão de Redfield – esclarecimentos gerais”.

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Figura 4 – Surto de algas filamentosas persistente resultante de alta razão N:P. As rotalas ao fundo ajudam a denunciar o excesso de N com caules finos, folhas estreitas e aumento nos entrenós.

2-     Em outras vezes, o problema pode ser por falta de vigor das plantas que não respondem nem à luz, nem à fertilização. O aquário fica muito lento e evolui para surtos de algas. Nesse caso, podemos ter quatro causas fundamentais, nessa ordem:

  1. a.      Iluminação inadequada ou envelhecida. A luz é o driver do ritmo metabólico do aquário, portanto, se não há qualidade nos espectros, a fotossíntese não vai operar adequadamente. Se esse for o caso, o aquário já deve ter sido fraco desde o seu começo. Se o problema apareceu num sistema mais maduro, podemos desconsiderar essa possibilidade desde que a iluminação seja de LED com longa vida útil. Lâmpadas fluorescentes precisam ser substituídas a cada 10 ou 12 meses sem falta, pois não conseguem segurar a qualidade dos espectros por mais de 8 mil horas de vida útil. Além de enfraquecer as plantas, os espectros distorcidos também podem estimular algas com pigmentos fotossintéticos diferentes das plantas como as algas marrons que contém clorofila c e as cianobactérias, bem como as algas peteca, que contém ficobiliprotéinas que absorvem a luz verde e amarela.
  2. b.     Fertilização deficiente. Acho que já falamos o suficiente sobre isso, mas cabe dizer que muitas vezes falta uma injeção de ânimo no aquário com Mg e K, os maiores ativadores enzimáticos da fisiologia vegetal. Contudo, aumentar suas doses não vai resolver problema nenhum, mas vai dar mais reação às plantas.
  3. c.      Substrato cansado e velho. Com o tempo, os substratos férteis vão perdendo a sua capacidade nutritiva de forma irreversível. As plantas sentem mostrando muita fraqueza e falta de reação, mas não de forma aguda. Na verdade, isso leva alguns anos para acontecer e não acontece com todas as marcas da mesma forma; alguns substratos são enriquecidos e essa carga nutricional se perde bem mais rápido apesar do substrato manter sua granulometria. Os substratos terrosos puros demoram muito mais e talvez seja provável que mantenham suas propriedades nutritivas enquanto mantiver sua granulometria. É difícil atestar essa causa nesses substratos, mas pode ser possível. Na suspeita dessa possibilidade, não há outra maneira a não ser desmontar o aquário e substituir por um substrato novo. Talvez seja válido testar um pouco de substrato novo num pequeno vaso com as mesmas plantas do sistema e experimentar como reagem. Eu nunca fiz isso porque acabo desmontando meus aquários depois de um ano e meio mais menos, mas talvez ajude a tomar uma decisão.

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 Figura 5 – Condição das Ludwigia em aquário antigo com substrato provavelmente esgotado. Foto cedida por Luca Galarraga.

  1. d.     Plantas cansadas ou saturadas. O tempo que leva para cansar uma planta no aquário pode variar muito em função do ritmo que ela foi submetida e ao número de vezes que foi podada e obrigada a se regenerar. Aquaristas de concursos que puxam bastante o ritmo relatam que logo depois da fotografia do aquário, com mais ou menos 6 ou 8 meses de montagem, as plantas já não reagem tão bem quanto no começo e se forem passadas para outro aquário, a fim de mantê-las para a próxima montagem competitiva, já não aguentam mais. Eu só montei aquário de alto ritmo assim do começo ou fim uma vez, quando somente participei de concursos em 2014, e percebi que depois de uns 8 ou 10 meses de montado as rotalas estavam ficando tão frágeis com caules tão finos e crescendo cada vez menos vigorosamente, embora ainda muito bonitas, que até hoje não sei dizer se elas estavam cansadas ou se estavam sob efeito do excesso de nitrogênio (as Staurogyne estavam puxando muito nitrogênio e precisei de superdoses para que se mantivessem fortes sem nenhum sinal de desnutrição – foram as Staurogyne mais bonitas que já tive). De qualquer forma, tive que desmontar aquele aquário por questões de mudança de residência e infelizmente não pude continuar a observar aquelas plantas. Elas foram dadas a um amigo (o próprio Marcelo Tonon, terceiro lugar no IAPLC de 2013) que as perdeu em algumas semanas no aquário dele. Talvez estivessem mesmo cansadas e eu tivesse que substitui-las se quisesse manter aquele aquário como estava.

Quanto às plantas saturadas, é quase a mesma coisa, exceto não por estarem cansadas, mas abarrotadas de amido resultante do regime de CO2 abundante e intenso por muitos meses. Mais uma vez, eu opto por agir pela intuição prática orientada pela teoria e não pela teoria pura. A teoria pura, racionalista, prega que o sistema precisa operar livre de condições aleatórias inconvenientes que representem atrasos no desenvolvimento para que a evolução seja plena e organizada. Isso é um tipo bem falho de teorização, é cientificismo, um eufemismo elegante para tolice. Eu já opto por uma dose de aleatoriedade, por períodos breves de escassez para que a planta consuma seus estoques e não fique preguiçosa. Isso é wabi-sabi aplicado à lógica da vida ou o conceito de hormese para os mais ortodoxos. Tenha bom senso; três ou quatro dias sem CO2 de vez em quando nos aquários com pleno desenvolvimento deve fazer bem para a renovação do consumo. Eventualmente uma semana inteira sem fertilização, eventualmente alguns dias com luz menos intensa. Não ofereça inconstância ao seu aquário, mas eventuais aleatoriedades que forcem pequenas respostas adaptativas das plantas devem ser benéficas, mas isso é uma coisa que só recomendo aos mais avançados. Recomendo que leiam meu artigo “Estabilidade x equilíbrio” para mais informações sobre desse conceito. Algumas pessoas podem me questionar “será que isso funciona mesmo?”. Não sei, é só uma teoria que faz muito sentido, tem base científica e eu não tenho problemas em praticá-la. Ainda estou adquirindo experiência e observação sobre isso, mas a intenção é tornar aquários de longo prazo mais sustentáveis e resistentes à saturação e ao cansaço. Se você é um aquarista de concurso, esqueça tudo isso, não faz sentido para você.

 

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Figura 6 – Aquário de Adriano Montoro, premiado com o quinto lugar no IAPLC 2016 (a diferença no comprimento é porque na foto premiada o aquário foi fotografado com o nível de água mais baixo). A foto de baixo é como o aquário ficou pouco tempo depois da foto por falta de fertilização. Logo em seguida o aquário foi desmontado.

 

Sob todos esses contextos, o que podemos sintetizar sobre nossa decisão de desistir de uma montagem? Se a montagem ainda nos agrada e nós gostaríamos de mantê-la se estivesse indo bem, eu diria que, numa circunstância em que ela não vai bem, não somos nós que desistimos do aquário, mas ele que desistiu de nós. Exceto se o substrato e as plantas estão envelhecidos, nós falhamos e o aquário pode ter se enrolado tanto que realmente pode chegar num ponto que seja muito difícil revertê-lo. Quando as pessoas se veem nessa situação elas me mandam fotos e eu recomendo o básico, pelo menos para começar: mantenha seu KH em torno de 8, mantenha seu CO2 em torno de 50 ppm, baixe a luz um pouco, não tenha um fotoperíodo maior que 8h, pode as plantas mais baixo, aumente o K e o Mg, às vezes peço para parar o P um pouco (para mexer na razão N:P para cima), limpe os filtros, use a aeração noturna etc. Mas será que fazer tudo isso pode resolver todos os problemas? Claro que não, às vezes realmente não é tão simples, mas isso não quer dizer que se tenha que deixar de fazê-lo. Quando estamos doentes, não importa o que seja, a recomendação é repousar, beber bastante água, se alimentar bem, se agasalhar e tomar sol; isso pode não te curar, mas vai ajudar com que não piore enquanto o remédio definitivo faça efeito. É esse remédio que é difícil de descobrir, pois cada aquário e cada problema vai ter o seu. Sinto muito, não há tabelas ou receitas que nos ajudem nesse sentido, vamos ter que queimar uns neurônios e chega a hora de estudar e acionar os amigos mais experientes.

Se o aquário se enrolou demais e ficou muito difícil encontrar um caminho, pode ser preciso dar um reset. Eu diria que existem dois níveis de reset: vamos chamá-los de “suave” e “radical”. Vejamos o que pode ser feito:

  1. No reset “suave”, nós devemos podar as plantas bem baixo tentando eliminar o máximo de partes invadidas por algas possível, bem como eliminar o máximo de órgãos doentes pela desnutrição, se for o caso. Devemos limpar os filtros e mangueiras, aspirar o máximo de sujeira possível, escovar o hardscape, fazer trocas parciais de água a cada dois dias de cerca de 50% e diminuir um pouco a intensidade luminosa, desde que o carpete ou plantas mais exigentes permitam. Uma troca de água no dia seguinte à poda é muito recomendada, pois o objetivo é eliminar o máximo de enzimas que vazem dos caules decepados até que cicatrizem. Em seguida, pode-se subir um pouco mais o Mg e o K (já prevendo que se suba também o S) e se certificar que o CO2 esteja em torno de 50 ppm (preste atenção nos peixes) e o KH entre 6 a 10. A aeração noturna durante toda a noite deve ajudar muito e o carbono orgânico (gluteraldeído) pode ser usado por quatro ou cinco dias durante o escuro (quando o pH está mais alto) com o dobro da recomendação do rótulo (observe se as plantas aceitam essa dose nos dias que seguirão). Observe se houve melhora depois de umas três semanas.

 

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Figura 7 – Aquário recuperado com poda, limpeza e ajuste na fertilização. Aquário de Arthur Almeida.

  1. No reset “radical”, nós praticamente começamos um aquário do zero, mas preservamos o substrato, a montagem do hardscape e somente as melhores plantas. As recomendações são as mesmas do anterior, mas trocamos as plantas mais fracas (que pode muito bem ser todas) por plantas novas, de preferência já adaptadas à vida imersa. Convém usar também plantas de apoio em vasos, como a Hygrophila corymbosa, para ajudar no consumo e uma bolsa de carvão ativado para ajudar a reter e drenar o excesso de amônia e carbono orgânico de decomposição. É recomendável que se retire os animais do aquário durante esse período. Isso permite trocas de água mais volumosas e mais frequentes a fim de equalizar a carga de nutrientes. A fertilização precisa ser revista visando remediar as carências anteriores (mais uma vez, um amigo mais experiente pode ajudar muito) – as plantas de apoio vão ajudar a denunciar as “tábuas mais baixas” do sistema além de aumentar o consumo; elas são excelentes indicadoras do que fazer e de quando o problema foi resolvido. Uma boa ideia também pode ser fazer um “sprint” de fertilização – as doses da fertilização são ligeiramente aumentadas um ou dois dias antes de uma troca de água mais volumosa para que as plantas encham seus estoques e a coluna d’água logo seja drenada antes que cause distorções a favor das algas. Eu particularmente tenho o costume de fazer isso mesmo quando o aquário está bem, mas é mais uma questão de hábito e estilo do que de necessidade, embora eu perceba que fazendo isso tem diminuído a incidência de anubias e cryptocorynes amarelando pelas bordas (as aráceas parecem ser muito vorazes quando há abundância de CO2 e é um tanto difícil mantê-las sempre em ótimo estado).

Quando se pratica uma intervenção, é preciso dar o devido tempo para que os efeitos se apresentem e se estabilizem. Como eu já disse, antes de melhorar, as coisas podem piorar um pouco mais ou o problema pode mudar de aspecto. Não mude de plano tão cedo; às vezes as coisas evoluem dessa forma mesmo porque várias dinâmicas biológicas, antes consolidadas, são substituídas por outras gerando pequenas nuances de surtos de vida curta. Só fique atento se elas não se instalam e progridem como uma “nova ordem”. Espere algumas semanas, mas de forma geral, quanto mais radical a intervenção, mais as cartas se embaralham e mais tempo demora para o sistema encontrar sua nova ordem e se estabilizar nela.

Não precisamos ser totalmente intolerantes com as algas de maneira a travar combates contra elas imediatamente quando aparecem, pois algumas, embora pareçam persistentes, como as algas marrons depois desses resets, desaparecem espontaneamente se as coisas evoluem conforme o esperado. Contudo, não sejamos tão indulgentes com cianobactérias e algas peteca. Essas precisam ser eliminadas sempre que possível porque o potencial de estrago é grande, principalmente da peteca; seus surtos frequentemente evoluem para um caminho sem saída.

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 Figura 8 – Surto de algas peteca. Um problema com grandes chances de arruinar o aquário de forma irreversível.

Vale ressaltar, conforme sempre faço questão de dizer em minhas aulas, que essa tolerância com as algas não significa sermos relapsos, mas aceitarmos que uma ou outra alga sempre vai estar presente nos nossos aquários, elas são naturais nesse tipo de ecossistema. O grande problema são os surtos e não sua presença modesta e discreta. Se vermos sempre um problema nisso, vamos estressar o sistema muito mais do que ele suportaria e faremos nossos aquários sofrer por excesso de intervenção. Não façam isso. Até mesmo os melhores aquaristas eventualmente passam por períodos em que seus aquários não estão na sua melhor forma, isso é normal, natural e não há nenhum constrangimento nisso. Até mesmo com isso os amigos mais experientes podem nos ajudar a relaxar quando não precisamos esquentar tanto a cabeça. O aquário costuma refletir nosso estado pessoal (por ser diretamente dependente de nós e, portanto, reagir a nós) e às vezes ele sai de nossas prioridades. Desde que tenhamos suas rédeas, está tudo bem. O que não podemos permitir é que ele nunca esteja no nosso mapa mental e constantemente precisemos recomeçar e travar infinitas batalhas inglórias para que ele se mantenha em ordem. É quando nos tornamos servos do aquário; não há como obter prazer dessa relação compulsória e inconveniente. As coisas não funcionam assim, nem um cachorro deve ser cuidado dessa forma. Não sei explicar isso cientificamente (talvez psicologicamente haja alguma boa explicação), mas o aquário vai bem quando nossa relação com ele é boa, atenciosa e apaixonada.

Enfim, para concluir esse artigo, eu poderia enumerar apenas três circunstâncias em que acho que realmente justificam o encerramento da montagem: substrato esgotado, plantas saturadas ou cansadas (embora seja possível substituí-las) e surto agressivo de alga peteca. Acredito que todas as outras formas de problemas possam ser remediáveis. (re)Montar um aquário plantado custa um dinheiro considerável e ninguém começa uma montagem sem leva-la a sério o suficiente para não querer salvá-la, portanto, acho que vale a pena o esforço. De qualquer forma, é nessas crises que crescemos como aquaristas e adquirimos algum tipo de experiência valiosa que não se consegue apenas tocando o aquário em frente quando tudo está indo bem. Muito mais que dar uma chance ao aquário, é dar uma chance para nós mesmos.