Plantas vermelhas: nutrientes ou iluminação?
Por Eduardo Fonseca Junior
15/03/2018
Depois da febre dos carpetes que veio com a surgimento do aquário plantado, as plantas vermelhas certamente foi a nova onda que roda a cabeça dos aquaristas até hoje. Mas como conseguir o tom vermelho máximo das plantas ainda é um grande mistério. Será excesso de luz? Será alguma combinação de nutrientes? Antes de entrar nessas questões, é importante salientar que existem dois tipos de “vermelhidão” das plantas, aquele produzido pelos pigmentos antocianinas e aquele produzido pelos pigmentos carotenoides.
As antocianinas ficam acima das clorofilas funcionando como um escudo contra o excesso de energia luminosa exatamente como a melanina da pele humana e, por estarem fora das células verdes, os cloroplastos, não possuem nenhuma função fotossintética. As antocianinas são vermelhas porque elas refletem (e, portanto, ajudam a filtrar) a banda de luz mais eficiente para a fotossíntese, o vermelho e o vermelho longo (aquele quase saindo da banda de luz visível). As plantas que apresentam naturalmente o vermelho das antocianinas são aquelas que evoluíram para operar com menos energia luminosa como é o caso da Ludwigia glandulosa por exemplo. Ela já adquire o tom rubro enquanto as plantas verdes encontram luz ideal, mas tão logo a intensidade luminosa decai, ela pode perder as antocianinas e se tornar totalmente verde. Nesse ponto, a luz é suficiente para ela, mas não para a maioria das outras plantas verdes.
Algumas plantas produzem antocianinas em órgãos jovens que ainda não desenvolveram outros mecanismos de proteção contra o excesso de luz ou ainda não estão fotossinteticamente ativos. É muito comum estarem presentes nos frutos (observe que a maçã é mais vermelha do lado que tomou mais sol), brotos, folhas jovens, coifas de raízes expostas (ponta da raiz), por exemplo, mas assim que saem do estágio inicial, perdem o vermelho e se tornam verdes, ou seja, abrem espaço para que a luz alcance as clorofilas.
Nesse sentido, podemos afirmar que as antocianinas são produzidas nas plantas com pré-disposição para tal como resultado de um estresse luminoso. Muita gente acha que o vermelho é sinal de saúde, mas na verdade é sinal de estresse. Não ao ponto de prejudicar a planta, pois ela é perfeitamente adaptada para se proteger desse estresse, mas podemos dizer que ela está apenas “bronzeada” da luz e não está mais saudável do que quando está totalmente verde sob baixa iluminação.
Os carotenoides, ao contrário das antocianinas, são produzidos dentro das células verdes e ficam ao lado das clorofilas lhes servindo como pigmentos acessórios. São chamados de pigmentos acessórios (na literatura às vezes são chamados de pigmentos antena) porque eles ajudam a absorver a luz e canalizar para o centro de reação exatamente como as clorofilas fazem, contudo, absorvem bandas de luz diferentes das clorofilas justamente para ampliar o aproveitamento da luz.
Existem muitos tipos de pigmentos carotenoides, o beta-caroteno, as xantofilas, luteínas, etc, e cada uma reflete uma banda específica de luz (produz uma percepção diferente de cor umas das outras), variando entre o laranja e o amarelo e as vezes até roxo. Alguns carotenoides ainda possuem funções especificas de proteção contra o excesso de luz, não como uma barreira física como as antocianinas, mas como mecanismos fisiológicos muito complexos de transformação da energia luminosa, tal como o ciclo das xantofilas. De qualquer forma, os carotenoides existem naturalmente em todas as plantas superiores, mas algumas espécies o produzem mais intensamente sob forte iluminação como a Rotala rotundifolia, Rotala indica e a Proserpinaca palustris por exemplo, e também são sinais de estresse luminoso.
Agora vamos às discussões polêmicas.
Existe um mito amplamente difundido no hobby de que o ferro estimula o vermelho das plantas. Até os rótulos dos fertilizantes a base de ferro apresentam plantas vermelhas como sinal de que plantas sadias deveriam estar vermelhas. Isso é uma grande mentira, pois o ferro não participa, pelo menos não diretamente, da produção de nenhum desses pigmentos, nem antocianinas, nem carotenoides. É fato conhecido que ele participa, ainda de maneira misteriosa, da formação dos cloroplastos (bolsões onde estão as clorofilas e onde ocorre a fotossíntese), mas não há qualquer indício e nem mesmo uma hipótese que pudesse ser suposta de que esteja envolvido na produção desses pigmentos. O mercado começou a associar o vermelho dos fertilizantes de ferro com o vermelho das plantas e as pessoas passaram a acreditar nisso (ou será que foi o contrário?).
Uma outra hipótese, que alguns aquaristas chamam de técnica, é induzir as plantas à carência de nitrogênio. Sabemos que as moléculas de clorofila possuem um arranjo de Mg rodeado por quatro N e que a carência de N, por provocar a interrupção da produção de clorofilas, faria realçar as cores dos carotenoides. É mais um grande mito porque antes de “alaranjar” as folhas do topo, as mais visíveis, as folhas da base é quem sofreriam esse efeito primeiro e apodreceriam antes que o topo alaranjasse. Isso ocorre porque o N é um nutriente móvel e é mobilizado das partes mais antigas da planta para o broto, portanto, não é possível alaranjar as ponteiras com essa manobra que ainda por cima cobrará um preço alto por privar as plantas de um nutriente tão urgente.
A terceira e última hipótese, que veio como uma “evolução” da segunda, é induzir as plantas à carência de fósforo. A falta do P causa uma desorganização fisiológica que interrompe o processamento de açúcares da planta de forma que os intermediários desse processo são transformados em antocianinas. No entanto, a falta do P também causa o encolhimento da área foliar, mas como a quantidade de clorofilas continua a mesma (porque não faltou N nem Mg) elas são aglomeradas e tornam as folhas ainda mais verde escuro ou as vezes até mesmo ligeiramente acastanhadas. As antocianinas produzidas nesse processo, para não prejudicar a absorção da luz que já está precária na superfície foliar, são enviadas para baixo das folhas e nos caules. Portanto, essa manobra tornará apenas o verso das folhas mais vermelho e, como também é um nutriente móvel, ocorrerá de baixo para cima. Foi uma boa tentativa, mas não funciona.
Agora voltamos ao ferro. Sabe-se que o excesso de ferro causa a precipitação do fósforo dentro da planta, tornando ambos indisponíveis. Isso pode fazer com que a planta experimente os efeitos da carência de P, mas como vimos, não é o suficiente para tornar as plantas vermelhas, vigorosas e de maneira uniforme como desejamos. Mas ao fazer isso em conjunto com forte iluminação ao ponto das plantas empinarem as folhas verticalmente (outro mecanismo de proteção contra o excesso de luz), o verso vermelho das folhas pode dar o efeito vermelho que o aquarista deseja, mesmo estando verdes ou mesmo desbotadas olhando por cima. O aquarista jamais deve escolher esse caminho, pois além de estressar a planta, ainda a força sobreviver com nutrientes indisponíveis. O custo disso a médio-curto prazo será um surto de algas.
Esse estudo nos induz a concluir que o vermelho das plantas é obtido por uma intensidade luminosa mais forte e também por luz de boa qualidade fotossintética. Oferecer intensidade de luz com pico no verde (lâmpadas comuns, de branco frio ou amareladas), por exemplo, não vai estimular a produção de antocianinas e carotenoides porque as clorofilas por si só já conseguem se proteger naturalmente pela reflexão do verde sem lhe causar qualquer estresse. Mas também é fundamental que as plantas estejam muito bem nutridas, pois qualquer manobra fisiológica de defesa requer nutrientes para que a resposta seja eficaz e rápida. É muito importante que os macronutrientes sejam largamente oferecidos juntamente com o CO2. As antocianinas, por exemplo, uma vez que estão associados a açúcares, precisam de muito C, P, N, K e Mg para serem processadas eficientemente e os carotenoides, por serem parte da estrutura dos cloroplastos, dependem do Fe, Cu, Cl, S e Ca para existirem.
No que tange as antocianinas o pH também cumpre um papel muito importante na estabilidade desta. A antocianina é uma molécula relativamente instável e tende a degradar rapidamente em pH alcalino e em contato com o ar (ela oxida), alterando sua cor para tons mais azulados. Em pH mais ácido ela é mais estável e adquire tons mais avermelhados. Aquários que desejam ter vermelhos vigorosos (se tratando de plantas que avermelham por antocianinas) devem mantê-lo sempre ácido e mais longe da neutralidade, caso contrário os pigmentos tendem a acastanhar ou fechar mais para o vermelho queimado.
Aquários que apresentam plantas vermelhas operam sob grande quantidade de energia (luz), portanto, dependem consequentemente de grande quantidade de recursos (nutrientes e CO2). São aquários mais difíceis de manter, pois são muito suscetíveis a desequilíbrios nessa relação energia x recursos, portanto requerem mais experiência do aquarista para mantê-lo prosperando sob controle.
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