Plantas vermelhas: interação entre as antocianinas e o CO2 e outras considerações
Por Eduardo Fonseca Jr.
06/01/2023
As plantas vermelhas são provavelmente o maior desejo entre os aquaristas de plantado. Já foi a época do denso carpete de Glossostigma, agora quase todo mundo quer ver o aquário “pegar fogo” com Ludwigias glandulosas e Rotalas H’ra. Tudo bem, é bem compreensível, todos nós adoramos. Contudo, a busca pelo vermelho perfeito leva muitos aquaristas ao fracasso por se perderem no desbalanço entre o excesso de luz e o consumo de luxo. Todo aquarista experiente sabe o quanto é difícil manter um aquário com vermelho intenso por muito tempo, caminhando no fio da navalha imposto pelo alto ritmo metabólico do sistema. Basta falhar um pouco na fertilização e o aquário sofre um atraso de semanas ou meses. Será que vale a pena? Bem, com o tempo, acredito eu, a gente vai deixando de lado essas extravagâncias e começa a priorizar aquários mais sustentáveis e amigáveis, mas isso vai muito do perfil de cada um. Um aquarista preguiçoso ou negligente não é, definitivamente, compatível com plantas vermelhas. É como um novato ou um sujeito preguiçoso na musculação (aquele que não treina muito regularmente) querer dar um pump com anabolizantes; é mais fácil hipertrofiar o coração do que o resto. Plantas vermelhas é mais ou menos isso; você vai fritar o aquário com muita intensidade luminosa, saturar o limite de captação de luz dos fotossistemas e forçar as plantas a se “bronzearem” produzindo pigmentos bloqueadores acima das clorofilas, as tão queridas antocianinas – os pigmentos vermelhos e roxos, para quem está chegando agora. O preço disso é impor um ritmo muito forte no restante do sistema, aumentar perigosamente a régua do consumo de todas as plantas e aumentar muito as chances de ter uma tábua mais baixa no barril de Liebig. Se falhar, encomenda um surto de algas que pode levar semanas para remediar… isso se você for bom o suficiente para reverter.
Figura 1 – Ludwigia glandulosa contrastando com o verde de outras plantas.
Mas vamos supor que o aquarista domina muito bem esses preceitos e consegue manter o barril com tábuas altas. Qual a primeira coisa que esse nosso amigo vai fazer? Subir o CO2? Acertou! Ele é tão esperto que vai subir o CO2 tão alto quanto puder para evitar qualquer risco de limitação da fotossíntese; essa é realmente a recomendação. Em seguida, ele vai fornecer toda a linha de nutrientes apropriadamente, vai se sentar esperando ver as plantas avermelharem e… pode ficar só esperando mesmo… as plantas podem não avermelhar ou podem não avermelhar o quanto ele esperava.
Eu já cai nessa e achei que as plantas não avermelharam porque eu tinha pego uma safra ruim, plantas que apesar de serem de espécies vermelhas, não tinham bons genes. Bom, isso pode realmente acontecer, como orquídeas que não florescem ou florescem timidamente por anos enquanto as vizinhas, da mesma espécie, estão florindo até fora de época, mas só podemos culpar a genética ruim quando não temos histórico de ocorrência do caractere no sistema em andamento. Por exemplo, se outras plantas estão avermelhando no aquário, menos aquela, uma vez descartado eventuais problemas de distribuição de iluminação como cantos escuros ou partes muito elevadas fora do cone de luz, podemos suspeitar da genética individual, caso contrário, se duas ou mais espécies não avermelham, então é mais fácil ser um problema do sistema. É por essa razão que é complicado montar o aquário com apenas uma espécie de planta vermelha; se ela não avermelha, não sabemos se é problema do sistema ou uma limitação individual. Aqui vai um aviso aos iniciantes: se você não é um aquarista avançado com experiência real com plantas vermelhas em aquários anteriores, considere sempre que você esteja falhando com o sistema e desconsidere a genética. Mesmo que essa possibilidade exista, ela é bem remota se você não tem experiência. E aqui vai um aviso aos experientes: as plantas não são obrigadas a avermelhar mesmo com todas as condições atendidas. Uma reação típica de uma espécie não precisa se apresentar em todos os indivíduos dessa espécie ou apresentar na mesma intensidade. Isso é meio óbvio. Pessoas diferentes não tem a mesma altura, leões diferentes não tem todos uma juba preta dominante e pássaros diferentes não cantam no mesmo fôlego, então por que as plantas deveriam avermelhar todas iguais? Mas vamos com calma, quanto mais típica uma característica, menores as chances do indivíduo não apresenta-la. Se tratando de plantas vermelhas, por exemplo, a observação nos leva a crer que é mais fácil isso acontecer com Rotalas do que com Ludwigias, mas isso não é um assunto que quero me estender demais aqui.
Figura 2 – Quanto maior a intensidade luminosa, mais fácil conseguir plantas vermelhas pela produção de antocianinas.
Considerando todas as condições anteriormente citadas (luz intensa, CO2 em alta quantidade e farta fertilização), o que poderia fazer com que elas não avermelhem? Podemos deduzir algumas hipóteses:
1- Conforme já explicado num artigo anterior O carbono dita o consumo, o excesso de CO2 tende a ocupar com amido todos os volumes de estoques das células das plantas expulsando, assim, os outros nutrientes. É como uma obesidade vegetal com o agravante de não conseguirem, eventualmente, praticar o consumo de luxo (por não haver estoque disponível). Isso poderia levar as plantas a exibir sinais de carência de nutrientes a longo prazo, entre elas, a de nitrogênio, deixando-as mais amareladas.
2- Uma variação da hipótese anterior, sendo que o amido pode expulsar dos vacúolos celulares não somente os nutrientes estocados como também as próprias antocianinas, tornando as plantas mais desbotadas (salientando que as antocianinas são estocadas nos vacúolos das células do mesófilo e, no caso de estresse por excesso de luz, também nas células da epiderme).
3- No artigo O carbono dita o ritmo também foi descrito o fato de que o carbono também funciona como um driver no ritmo metabólico de forma análoga a luz, aumentando o consumo de todos os nutrientes. Altas concentrações de CO2, portanto, poderiam levar as plantas à uma eventual deficiência nutricional, ou seja, subir o nível do barril de Liebig até um ponto de vazamento e deixar as plantas com cor mais pálida.
4- E, finalmente, o fato do excesso de CO2 baixar tanto o pH (especialmente quando com KH baixo) a ponto de modificar a espécie molecular das antocianinas para outro subtipo que não seja vermelho. Vamos estudar um pouco mais sobre isso:
Figura 3 – À esquerda, um aquário com pico de CO2 decorrente de problemas com a válvula reguladora. À direita, o mesmo aquário depois de três dias de consertado o problema com o CO2. Fotos cedidas por Luca Galarraga.
A antocianina é um pigmento que varia sua forma molecular conforme o pH. Ela pode assumir basicamente cinco formas diferentes, cada uma com uma cor típica, sendo que no pH 6 ao 7 ela assume a cor púrpura, tornando-se mais azulada saindo de 7 para cima e mais incolor saindo de 6 para baixo. O excesso de CO2, ao manter o pH muito baixo, poderia desbotar as plantas rapidamente, sendo, contudo, um efeito direto da queda do pH e não do CO2.
Poderíamos suspeitar facilmente dessa hipótese principalmente se o aquário já tinha as plantas bem avermelhadas e, por algum descuido com a injeção de CO2, o pH baixasse demais e as plantas rapidamente se desbotassem. É um processo químico de desbotamento, não fisiológico, portanto, deve ocorrer de forma aguda, mais rapidamente. Em outras palavras, as antocianinas estão lá, porém numa configuração molecular mais incolor. Se o aquarista controla a injeção do CO2 ou sobe um pouco o pH e as plantas voltam a avermelhar em poucos dias, essa hipótese é confirmada.
Figura 4 – Configurações moleculares da antocianina em função do pH e suas respectivas cores.
As outras hipóteses são muito válidas, mas devem demorar um pouco mais para ocorrer, uma vez que causariam problemas mais crônicos. Induzir um sistema sadio à deficiência nutricional pelo excesso do CO2, bem como expulsar as antocianinas dos vacúolos, leva muito mais tempo, mas pode ser a causa de um aquário que ainda não conseguiu pronunciar intensamente as plantas vermelhas. Vale lembrar que essas outras hipóteses, todas relacionadas à lotação dos vacúolos por amido, não tem nada a ver com o pH, o que nos leva a perder o vermelho das plantas pelo excesso de CO2 mesmo com pH sob controle, que é o que acontece com aquários com CO2 acima de 60ppm com KH de 8 ou mais. Aquários de concursos acabam se encaixando facilmente nesse perfil.
Então qual a recomendação?
Bem, mais uma vez nos deparamos com o que costumo chamar de “cobertor curto”; para conseguir plantas de vermelho intenso precisamos impor ritmo, mas essa conduta, por sua vez, pode trazer o problema de baixar demais o pH (considere menos de 6,4 um problema), o que pode ser facilmente ser corrigido aumentando o KH sem diminuir a injeção do CO2. Isso remediaria o efeito agudo da queda do pH sobre as antocianinas. Entretanto, as altas concentrações de CO2 podem trazer os efeitos crônicos que já vimos. É difícil prescrever uma conduta puramente racional nessas condições, mas, uma vez tendo conhecimento desses mecanismos, podemos atuar sobre eles, talvez tentando manter o alto ritmo sem elevar tanto assim o CO2 mantendo na casa dos 40ppm (e correr o risco de ter algas petecas) ou talvez, quem sabe, não impor o alto ritmo durante toda a vida do aquário, mas somente em alguns períodos mais ou menos sincronizados com os ápices da forma vegetal antes das podas, fotografias para concursos, etc. Isso me faz mais sentido, pois, de fato, um sistema com alto desempenho não só é mais difícil de manter como também envelhece mais cedo e acumula muitos problemas para o longo prazo. Eu recomendaria também usar plantas que são mais naturalmente vermelhas, como as Ludwigias, que basta uma iluminação de boa qualidade sem tanta intensidade para consegui-las bem vermelhas, ao invés daquelas que precisam de mais estresse luminoso para avermelhar, como as Rotalas. No caso de sistemas que devem viver por mais tempo, além daquele previsto para participar de um concurso, convém também aceitar tons de vermelho um pouco menos intensos a favor de uma saúde geral do aquário mais sustentável.
Agora vamos nivelar algumas coisas…
Não é porque um pH muito baixo tem mais chances de descolorir as antocianinas que vamos tentar deixar nossos aquários alcalinos. Em pH cima de 7 as antocianinas se tornam mais instáveis e tendem a degradar. Não devemos mudar nossa posição sobre os parâmetros do aquário por causa de uma premissa; lembre-se que o aquário é a velha história do cobertor curto. O que precisamos é entender os mecanismos e os LIMITES desses mecanismos; precisamos achar o caminho do meio e nos mantermos na trilha. Se nos afastamos demais da cobra, caímos no buraco do outro lado.
Outro fator que devemos levar em consideração é a temperatura, de forma que ela degrada mais rapidamente acima de 25oC e mais rápido ainda se o pH estiver acima de 7. Portanto, convém permitir que aquários com muitas plantas vermelhas fiquem mais frios.
E, finalmente, a questão dos metais quando se associam às antocianinas. Acho que é um momento perfeito para desmantelarmos um grande mito sobre a suposta função do ferro no avermelhamento das plantas. Eu já escrevi sobre isso no artigo Plantas vermelhas: nutrientes ou iluminação, mas aqui cabem mais alguns detalhes; os metais podem se associar às antocianinas nos vacúolos e gerar compostos quelados que alteram as cores das antocianinas, as chamadas metal-antocianinas. Alguns dos metais que apresentam essa propriedade incluem o alumínio, o zinco, o magnésio, o cobre e o ferro entre outros, inclusive metais pesados. Essas ligações tornam as antocianinas mais estáveis contra a desnaturação pela temperatura e menos reativas às mudanças de pH.
Figura 5 – Esquema molecular da ligação da antocianina aos íons metálicos formando um composto quelado.
O íon Fe3+, que é o que nos interessa, ao se ligar com as antocianinas em pH maior que 5,5, as estabiliza numa coloração azul, mas isso não quer dizer que seja isso que realça o vermelho das plantas (talvez pudéssemos pensar na junção nas antocianinas roxas típicas do pH 6 ao 7 com as antocianinas queladas azuladas, resultando numa percepção do vermelho ou púrpura), porque não existe nenhuma evidência de que plantas muito bem nutridas com Fe cheguem a quelar significativamente em quantidade as antocianinas ou, se o fazem, se essa reação altera significativamente a cor das plantas. O que podemos afirmar com mais segurança é que as plantas bem nutridas com Fe podem ter suas cores mais estáveis (mais estáveis quanto?), mas não necessariamente mais intensas. Tudo é uma mera especulação advinda de um raciocínio indutivo bastante pobre, se é que essa ideia tem origem nessas suposições. Seria preciso testar essa hipótese sob a luz do que já sabemos em diferentes aquários para podermos acumular experiência suficiente para atestar que o Fe definitivamente intensifica a produção das antocianinas ou melhor, que torna as plantas mais vermelhas. Por enquanto, me considero no direito científico de considerar essa teoria uma fraude, pois não há, até o momento, experiência sólida de aquaristas relatando que as plantas realmente avermelham com o ferro ou deixam de avermelhar sem ele.
Como vimos, são muitas as variáveis envolvidas no avermelhamento das plantas e podemos explicar, pelo menos em parte, por que alguns aquaristas conseguem e outros não apesar das condições fundamentais estarem sendo atendidas. Acredito que as informações desse artigo possam levantar pontos de observação mais objetivos de forma a ajudar a referenciar as experiências das pessoas e, assim, refinar nosso conhecimento prático sobre esse e outros assuntos.