O Carbono como fator de equilíbrio e seleção biológica no aquário plantado

Por Eduardo Fonseca Jr

12/04/2018

 

Atualmente a noção da importância do CO2 já é uma questão muito bem difundida no aquarismo plantado, entretanto, há inúmeras outras questões que se desdobram sobre esse tema sobre as quais provavelmente muito poucos aquaristas tem conhecimento.

Vamos partir do conceito fundamental de que as plantas precisam do CO2 para que opere a fotossíntese. E agora uma questão muito comum dos iniciantes: “O CO2 não está naturalmente presente na água? Por que deveríamos injetar mais? Isso não é natural.” Essa é uma pergunta muito inteligente que vem sendo feita no hobby desde seu início há mais de uma década, mas é provável que nunca tenha sido respondida de maneira completa que desvanecesse totalmente as dúvidas sobre o papel do Carbono no aquário plantado.

Bem, vamos por partes.

As plantas possuem um mecanismo fisiológico chamado Ciclo de Calvin que basicamente consiste numa enzima que retém o CO2 e o transforma em uma molécula muito simples de açúcar. É definitivamente o elo entre o Carbono inorgânico na forma de CO2 sendo transformado em Carbono orgânico na forma de açúcar.

Carbono

Figura 1 – Ciclo de Calvin, onde o CO2 é transformado em açúcar pela fotossíntese.

Essa enzima se chama RuBisCO e se escreve assim mesmo, pois é uma abreviação de Ribulose 1,5 Bifosfato Carboxilase Oxigenase. Carboxilase se refere a sua afinidade pelo CO2 e Oxigenase se refere a sua afinidade também ao Oxigênio e é aí que mora o grande problema não apenas para as plantas aquáticas, mas também para mais de 80% das plantas do planeta. Essa enzima, na ausência ou escassez de CO2 aceitará se ligar ao Oxigênio e obrigará a planta a eliminá-lo em uma outra rota fisiológica que lhe custará, além de gasto energético, a destruição da enzima e, por consequência, perda de Carbono na forma de CO2. Essa rota se chama fotorrespiração (totalmente diferente da respiração!) e literalmente causa atrasos no desenvolvimento vegetal. Quando a planta é forçada a operar a fotorrespiração de maneira frequente ela fatalmente definhará.

Mas por que essa enzima também se liga ao Oxigênio? Isso se deve ao fato das plantas terem surgido em eras em que os níveis de Carbono na atmosfera eram várias vezes mais elevados que hoje, ou seja, as plantas não precisaram por muitos milhões de anos se preocupar com o Oxigênio. Ele simplesmente não chegava a atrapalhar o desenvolvimento das plantas. Contudo, com o declínio da atividade vulcânica no planeta como um todo (o principal emissor de CO2 nas eras anteriores) o CO2 começou a ficar mais escasso e aí sim as plantas começaram a ter problemas com o Oxigênio se tornaram menores com o passar das eras. Isso explica inclusive a redução do tamanho dos animais de maneira proporcional aos níveis de Carbono na atmosfera em função da diminuição da densidade vegetal. Atualmente, com a concentração atmosférica de Oxigênio batendo 570 vezes a do CO2 , a RuBisCO assimila uma média de apenas três CO2 para cada Oxigênio, ou seja, o saldo positivo de desenvolvimento é muito baixo porque a fotossíntese acaba por sofrer uma significativa inibição.

Somente há cerca de 5 milhões de anos, no Mioceno, algumas plantas começaram a evoluir um sistema fisiológico de “antecâmara” que lhes permitia filtrar o Oxigênio e conseguir acesso exclusivo ao CO2 antes de entrega-lo ao Ciclo de Calvin. É o chamado Ciclo C4 e surgiu com as primeiras gramíneas. É interessante notar que a filtragem do Oxigênio é um contratempo metabólico, mas impede que a planta se consuma na ausência do CO2 e isso fez com que essas plantas fossem ainda menores, rasteiras. Essa nova categoria de plantas substituiu o terreno perdido pelas florestas e formou enormes áreas de pastagens fazendo evoluir, por consequência, os primeiros animais ungulados, os ruminantes, que conseguiam se alimentar dos pastos. Foi nessa era que muitos animais foram extintos e a megafauna começou a entrar em declínio (a maioria das espécies de elefantes pré-históricos foi extinta nesse período).

Ok, com o Ciclo C4 o problema foi resolvido? Não, a evolução do metabolismo C4 ainda é considerada relativamente moderna e existe em menos de 20% das plantas atuais, muitas delas gramíneas. A maioria das outras plantas, especialmente as palustres (aquelas que usamos no aquário), ainda são à moda antiga e sofrem muito com a fotorrespiração, sobretudo as aquáticas porque embora o CO2 seja bem solúvel em água, sua presença e difusão quando diluído são muito ruins para as plantas. Em contrapartida a essas desvantagens, as plantas evoluíram muitos mecanismos para melhorar seu acesso ao CO2, tal como a modificação morfológica das folhas imersas, mas suas condições de vida em estado imerso permanecem muito precárias.

rotala

Figura 2 – Planta em estado imerso com boa oferta de CO2. As bolhas são o oxigênio sendo devolvido ao ambiente em um fenômeno conhecido como “pearling”.

Agora é que a hora que o aquarista precisa estar atento. Vamos esclarecer esse ponto de forma definitiva e inaugurar uma nova base de entendimento sobre a função do CO2 no aquário plantado.

A verdade é que as plantas em ambiente imerso tendem a morrer ao invés de crescer e é assim que tem que ser. O definhamento das plantas proverá alimento para as algas que consistem na verdadeira base da cadeia alimentar dos ecossistemas aquáticos. Os peixes, na sua grande maioria, comem algas e não plantas, portanto, as algas, aliado ao fato de que elas produzem mais de 40% do Oxigênio dissolvido, são muito mais úteis aos ecossistemas imersos do que as plantas. As plantas, por sua vez, vivem precariamente de reservas até alcançarem o ambiente emerso, onde conseguem acesso ao CO2 atmosférico, muito mais disponível. É nessa condição que elas completam seu ciclo de vida produzindo flores e se até mesmo servindo de base para a cadeia alimentar de outros animais aquáticos como tartarugas, antas e capivaras.

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Figura 3 – Plantas palustres em estado emerso produzindo flores.

Nesse contexto, o estado natural de um ambiente aquático é produzindo muitas algas. O aquário plantado, com plantas prosperando em contrapartida às algas, é um estado totalmente antinatural e só pode ser suportado pelo suprimento abundante de CO2 de forma a suprimir a atividade Oxigenase da RuBisCO e fazer prevalecer o desenvolvimento vegetal das plantas superiores. Isso significa que o CO2 representa para o aquário plantado um fator de equilíbrio e seleção biológica muito mais que simples combustível para a fotossíntese. Para se ter uma ideia de base numérica, para se conseguir uma concentração de 30mg/L dissolvidos em águas naturais seria necessário mais de 60 vezes a concentração atual de CO­2 na atmosfera. Essa é a distância da natureza em relação às condições ideais de um aquário plantado e por isso é tão difícil manter as plantas saudáveis e algas sob controle. O aquário SEMPRE vai tender para o equilíbrio natural de favorecer as algas. Agora imagine quantos CO2 são assimilados para cada Oxigênio em condição imersa. Se expostas a atmosfera, como vimos acima, é de 3 para 1, sob a água a razão é certamente negativa e é por isso que as plantas não sobrevivem de maneira permanente no modo imerso sem injeção de CO2. Sem CO2, a menos que o aquarista permita que suas plantas se elevem para a vida emersa, o aquário sempre proporcionará uma condição de extinção para as plantas superiores. Isso é indiscutível.

Esse estudo nos faz concluir que o CO2, juntamente com a luz, forma a base fundamental do aquário plantado independentemente das plantas que compõe a flora. Nesse sentido, o conceito de sistemas “low tech” se torna uma ideia ultrapassada que tende a não funcionar. Plantas de baixo metabolismo, mesmo que não precisem de toda a oferta de CO2 de outras plantas, dependem dele para garantir o desenvolvimento pleno e impedir que o equilíbrio de seleção biológica tenda para ao lado das algas.

Vale ressaltar que essas plantas, a saber os gêneros Microsorum, Anubias, Bolbitis e musgos são plantas imersas causais, pois crescem a beira de corredeiras rápidas, quedas d’água e barrancos. Elas não vivem permanentemente imersas em estado natural e uma vez sejam forçadas a fazê-lo o aquarista precisa suprir suas necessidades como se estivessem emersas com maior facilidade de acesso ao CO2. Esse é outro ponto pouco discutido sobre plantas de baixo metabolismo.

 anubias

Figura 4 – Anubias prosperando em ambiente selvagem na África.

O termo “low tech” então deveria ser atualizado para “low demand”, ou seja, a QUANTIDADE de energia na forma de CO2, luz e nutrientes podem ser MENORES em função do ritmo de consumo das plantas, mas jamais devem deixar de existir ou terem a QUALIDADE negligenciada. Isso implica que a configuração tecnológica de um aquário “low demand” deve ser a mesma de um aquário “high demand”, apenas com a diferença da vazão de energia ser menor: menor vazão de CO2 (com a mesma concentração de um “high demand”), menos iluminação (com a mesma distribuição espectral de um “high demand”), mesma filtragem e mesma fertilização (em quantidade menor, mas o coquetel é o mesmo).

** O texto acima é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Aquabase.