O Aquário essencial

O aquário essencial

Por Eduardo Fonseca Jr
22/08/2023

               “Antes de vencer um tigre, experimente compreender um gato.”
Sensei Emerson

               Eu tinha uns 12 ou 13 anos, estava começando a competir mais seriamente no Karate. Por eu ser bem maior e mais forte que as outras crianças da minha idade, o sensei me colocava para treinar com os adultos. Eu queria bater com força e não me importava que me batessem de volta com a mesma força. Eu tinha que “espremer” os adultos para que me levassem a sério e treinassem com mais firmeza comigo. Para isso, eu tinha que me fazer de durão, chutar-lhes as pernas com força e bloqueá-los com dureza e isso me fazia parecer um tanto petulante e desafiador, talvez forçosamente pretensioso, mas foi a maneira que encontrei de puxar a força do treinamento para mim, porque eu queria evoluir rápido. Havia um homem faixa preta bem mais velho, talvez com uns 45 anos, sem físico avantajado, baixinho, sorridente, que não levantava a perna acima da cintura com cara de despachante que havia chegado recentemente de outro estilo, o Wado-ryu, que eu nunca tinha ouvido falar. Era o Sensei Emerson. Certo dia, fiz sparring com ele e eu não conseguia sequer chegar perto de acertá-lo enquanto ele me devolvia golpes de mão aberta que eu não sabia defender, mas que também não me incomodavam. Fiquei ofendido e pedi para que ele lutasse mais seriamente, mas ele só sorria. Ele era tão calmo que chegava a irritar e comecei a chutá-lo com mais força para provocá-lo a lutar direito. Quem perdeu a paciência foi meu Sensei que, vendo o desacato, permitiu com o olhar que ele devolvesse à altura. Me lembro exatamente de ter pensado “aí vem a pedrada”, e realmente veio. Antes que um golpe infantil meu sequer evoluísse, fui interceptado por um belo shotei uchi (palma de mão aberta) no queixo de baixo para cima que me deu um chacoalhão tão forte no pescoço que me fez bater a cabeça nas minhas costas, estalar o pescoço, bater os dentes e amassar meu nariz contra a palma da mão dele que parecia uma tábua. O golpe foi um relâmpago e me assustou, eu nunca tinha ouvido aquele barulho dentro da minha cabeça e nunca tinha visto alguém se mover tão rápido e com tanta violência contra mim… “era assim um golpe de verdade, imagina se fosse de mão fechada!!!”, eu pensei. Sorri meio sem jeito (hoje consigo admitir que quase chorei), me levantei e ele estava em posição de luta sem dizer nenhuma palavra, mas com o olhar vazio e severo de um doberman. Meu Sensei disse que só terminaria quando ele dissesse e vi que eu tinha ido longe demais. Naquela noite eu levei mais uns cinco golpes daquele e o último me acertou em cheio no fígado. Só quem provou a toxina hepática derramada na circulação sabe a dor e a sensação nauseante de um golpe no fígado; algo dentro de você se amassa como uma latinha de alumínio. Quando terminou, o Sensei Emerson voltou seu semblante sorridente e disse para eu não ter pressa de evoluir, para aproveitar cada fase do aprendizado me dando o devido tempo para amadurecer porque algumas responsabilidades, depois de assumidas, não tem mais volta. “Entenda um gato para vencer um tigre. Eles têm a mesma natureza, mas não o mesmo risco. Você vai ser um grande atleta um dia, mas não chame para si esse fardo tão cedo porque ou você vai desistir, ou aprenderá da pior maneira eventualmente achando alguém com má índole mais forte que você.” Naquele dia eu voltei para casa empurrando a bicicleta com dor no nariz, no pescoço, dentes amolecidos, lábio inferior com uma ferida e um incômodo terrível no fígado, mas eu havia aprendido uma lição: não morda o que não é capaz de engolir. Nos dias seguintes, o Sensei Emerson nunca mais me tratou como uma criança e tive que aprender a lidar com aquilo, afinal “não tinha mais volta”. Alguns dias depois, ele me quebrou um dente. Essa foi a minha primeira experiência com o Karate de verdade “à moda antiga”. Não se parecia nada com os filmes do Van Damme. Dali em diante eu peguei leve e fui mais paciente, mas alguns anos depois a mesma coisa se repetiu com o Sensei Cristiano, um atleta experiente que não teve a mesma bondade de me bater com a mão aberta – foi a primeira vez que desmaiei e tive que tomar pontos dentro da boca. Depois disso nunca mais acelerei o processo novamente, pois doeu o suficiente para me fazer lembrar para sempre. RESPEITE O PROCESSO. Respeitar o processo me fez mais forte e mais sólido no longo prazo.

 

Infelizmente eu comecei no aquário plantado apanhando desde o começo com aquários relativamente grandes e ideias ambiciosas sem nenhuma orientação. Todos que estamos no hobby há pelo menos oito anos levamos nossas surras, mas vários que começaram depois disso, mesmo numa época em que a informação ficou mais acessível e relativamente mais fácil de entender, também passaram por isso. Na verdade, ainda tem muita gente levando surra até hoje, deixando muito ressentimento e frustração no relato do aquário. Na minha época, lá em 2006, tudo bem, fomos os pioneiros quando mal existia mercado para o aquário plantado, mas hoje em dia… não deveria mais ser assim. Muita gente hoje em dia distribui informação, cada um à sua maneira, é verdade, mas muito mais gente detém um ótimo nível de conhecimento prático e teórico agora e tudo está muito mais acessível pelas redes sociais. O que está havendo de errado?

Uma coisa tem me preocupado ultimamente: o mercado do aquário plantado parece estar encolhendo. Nesses oito anos ministrando aulas na Aquabase eu conheci muitos aquaristas, experientes e iniciantes, e a maioria deles faz muito tempo que nem escuto falar. Provavelmente abandonaram seus aquários, venderam a preço de banana o que pagaram uma pequena fortuna e arrumaram outra coisa como hobby, alguma coisa mais estável, menos traiçoeira, alguns diriam até menos ingrata, que um aquário plantado. A responsabilidade é deles por não terem paciência, não estudarem, não buscarem constantemente aperfeiçoar a compreensão sobre a fisiologia das plantas (que é imprescindível e não existe nenhum argumento que me faça pensar o contrário) e por tentarem muitas vezes economizar e confiar em produtos ruins que não trazem resultados ou trazem resultados adversos, mas parte da responsabilidade também é sempre nossa (compartilhada com todos os aquaristas experientes e “influencers” com condições técnicas de ensinar e ajudar da melhor forma possível) por trazer muita informação e conteúdo constantes, mas destacando muito pouco os fundamentos, aquilo que o iniciante ou o aquarista em apuros realmente precisa saber. Eu sei que conteúdo técnico e muito sóbrio, sem o espetáculo das fotos e vídeos com efeitos e musiquinhas, não traz seguidores e assinantes para nossos canais, pois infelizmente a natureza humana, hedonista e dopaminada pelo excesso de estímulos das redes sociais, raramente consegue se focar em alguma coisa em silêncio e com produtividade se não houver muitos recursos áudio visuais. Mas o que podemos fazer? Parece que as pessoas estão desinvestindo do aquário plantado ocupando o tempo e o espaço do aquário com terrários, mini paludários com mini cascatinhas, bonsais que engrossam menos de 1mm de tronco por ano, potes de vidro com musgos da sarjeta e outras coisas que proporcionam uma experiência muito menos intensa e dinâmica que um aquário plantado. Outros vão ainda mais longe e migram para o aquário marinho até sofrer a primeira parada de energia elétrica sem nobreak e perder sua pequena fortuna em corais para sempre. Não estou exagerando, as pessoas estão postando esses fracassos e desistências com certa frequência e essas pessoas nunca mais voltarão ao hobby. Ou o mercado e os fabricantes se voltam à missão de educar o público ou o mercado brasileiro do plantado, que já não é muito consumidor, vai deixar de ser viável e terá que dividir o espaço da loja com gaiolas de periquitos e rações para gatos para sobreviver.

Nesse artigo eu quero formalizar não uma nova informação ou novo estudo ou novas descobertas, mas um caminho. É cansativo falar sempre a mesma coisa sobre parâmetros, princípios, práticas etc. e as pessoas não conseguirem entender, mas ultimamente eu tenho entendido porque isso acontece: não existe uma graduação ou percepção de risco sobre o que é mais fácil e o que demanda mais ou menos experiência para dar certo, as pessoas só pensam no que elas querem, mas não sabem o preço que lhes será cobrado e acabam mordendo mais do que podem engolir. E quando pensam sobre o que poderia ser mais fácil “para começar”, entram na cilada do low-tech. Talvez a maioria ainda acredita que a forma mais simples do aquário plantado é o low-tech, entretanto, os que conseguem ficar com ele se contentam com o que é possível: plantas crescendo bem lentamente, sem muita exuberância e flora bem restrita. Os que teimam que é possível aumentar o desempenho do low-tech ao mesmo nível de um aquário produtivo praticamente desaparecem. O conceito low-tech foi uma das coisas mais nocivas para o hobby e para o mercado. Definitivamente não é tão simples conseguir o máximo do desempenho das plantas num sistema pequeno e artificial como um aquário senão com o mínimo de tecnologia especializada. O aquário plantado tem um custo, como qualquer outro hobby.

Mas isso não quer dizer que o aquário plantado precisa ser sofisticado demais para se tornar mais fácil. Eu tenho mudado bastante o meu pensamento sobre isso. Antes eu defendia o uso dos fertilizantes dedicados; hoje prefiro, sempre que possível, recomendar os “all in one” pela praticidade e também eficiência quando se sabe usar. Antes eu defendia aquários grandes como detentores de mais equilíbrio e estabilidade, mas eles são muito mais onerosos e demandam muito mais trabalho; hoje já prefiro os aquários entre 100 e 200 litros. Antes eu preferia aquários de troncos e plantas lentas quando queria um sistema que me desse menos trabalho; hoje já recomendo os aquários mais fortes, com mais movimento, pois apesar de trazer um trabalho mais frequente com podas, fertilização e trocas de água, oferecem menos problemas – é mais fácil se equilibrar numa bicicleta em movimento do que andando devagar demais.

Fora isso, algumas pessoas estão entrando no hobby muito mais pelo aquapaisagismo do que pela paixão pelas plantas. A prova disso é o Livro 2 ser o menos vendido dos quatro e o Livro 3 o mais vendido por falar de algas, “os grandes problemas inconvenientes” do aquário plantado. Quando entram pelo aquapaisagismo há uma série de problemas que precisamos tratar:

  1. As pessoas acham que aqueles aquários são reais. Não que não sejam aquários de verdade, digo que não são reais muitas vezes porque não são sustentáveis para o longo prazo. Eles são construídos convenientemente pouco a pouco para a produção da foto final e geralmente são abandonados antes que desenvolvam maturidade como um ecossistema real. Isso definitivamente não é o aquário plantado;
  2. Pelo menos metade dos aquários ostentados em concursos nem se enquadram num aquário plantado. Eles têm tanto hardscape empilhado que só sobra espaço para musgos e algumas plantas carpete. Um aquário desse não tem metabolismo, não tem consumo, não tem desempenho biológico, ele é só uma maquete aquática. Isso também não é o aquário plantado;
  3. Os que são realmente aquários plantados são desenvolvidos por aquaristas tão experientes com tanta bagagem técnica no sentido teórico e prático que tentar imitá-los ou tomá-los como régua para nossos primeiros projetos é pura loucura. Eles dominam fundamentos e mesmo que discordem uns dos outros defendendo algumas práticas diferentes, eles mais concordam que discordam pelo menos nesses quatro pontos cruciais:

a-      todo aquário precisa de uma boa filtragem;

b-     todo aquário precisa de CO2;

c-      todo aquário precisa de uma boa iluminação para a fotossíntese e

d-     todo aquarista precisa dominar a nutrição das plantas. O que está fora disso são só preferências pessoais e variações de métodos que levam ao mesmo ponto comum: desempenho das plantas como reguladoras biológicas do sistema;

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Figura 1 – Aquários de concurso trabalhando em níveis mais altos de dificuldade e complexidade. Aquários da Aquabase (acima) e Hoai Nam Vu (abaixo).

O aquapaisagismo não é ruim para o mercado, não é isso o que quero dizer, muito pelo contrário, mas é um nível mais avançado da experiência do hobby, não é a porta de entrada. É demais para um iniciante entrar no hobby tentando digerir o que um concurso exige e, se essa exigência for para ele “a parte chata da coisa”, então esse aquarista não tem futuro. Antes de ficar grandão com anabolizantes, mesmo com acompanhamento médico, é preciso, antes de qualquer coisa, gostar de treinar, de se alimentar bem e de entender como os exercícios funcionam para tirar o melhor proveito deles. Não se pode lidar com o tigre antes de ter estudado o gato. O gato permite errar e aprender – errar com um tigre será fatal.

E tem também aqueles que tropeçam sem pensar nos aquários das grandes estrelas do aquapaisagismo. Eu lido com eles todos os dias e o que falta nem é tanto o conhecimento, porque eles muitas vezes o tem, mas não sabem usá-lo com muita extensão. O conhecimento que eles têm está compartimentado em ilhas, como disciplinas diferentes, em livros e mapas mentais separados. Somente a experiência fará essas ilhas se conectarem e se complementarem. Por exemplo, tente correlacionar a falta de CO2 com algas marrons ou um KH muito baixo com plantas mal nutridas. É fácil encontrar pessoas hoje em dia que sabem as funções do carbono dentro da planta, se não sabem, sabem pelo menos onde procurar pela resposta, e essas mesmas pessoas também sabem as causas das algas marrons, mas já é mais difícil quem estende o raciocínio de causa e efeito unindo as duas coisas. E lá vai a relação: a falta de CO2 faz a planta operar o ciclo fotorrespiratório mais vezes produzindo amônia como um dos resíduos que, na falta de cálcio, não será utilizado na síntese do nitrogênio e será liberado na água. A amônia, se em picos, pode ocasionar as algas marrons pela janela momentânea da produção maior de nitrito. Você realmente não precisava saber disso, pois somente sabendo que o aquário plantado depende do CO2 e da nutrição, no caso do cálcio, já é o suficiente. O problema é que ainda tem muita gente discutindo se o aquário plantado realmente precisa de CO2

E é nesse ponto que eu queria chegar.

Em que condição, que tipo de aquário ou configuração ideal um aquarista iniciante ou com problemas conseguiria encontrar o caminho do êxito ou o caminho de volta? Que tipo de aquário o iniciante conseguiria aprender o máximo com o mínimo de problemas e desafios? De que forma conseguiríamos simplificar ao máximo a linguagem da fisiologia das plantas e aprender de perto vendo suas nuances? O melhor a se fazer é simplificar a coisa ao máximo até um ponto essencial, indivisível, atômico… transformar um tigre num gato. E agora me lembro do engenheiro Tony Waters (eu já citei essa frase dele em algum lugar, se não me engano no Livro 4) ecoando um de seus notórios axiomas “o mais eficiente é aquele que se simplificou ao máximo, até um ponto ideal em que não é mais possível subtrair mais nada sem que haja prejuízo ao seu desempenho.” Será que podemos fazer isso com o aquário plantado? Qual seria a fórmula mais simples, mais essencial, do aquário plantado? Se você pensou num holandês, acertou.

Recentemente tenho notado alguns aquaristas nas redes sociais com ótimos aquários, todos ostentando plantas em perfeitas condições de saúde e percebi que todos eles tinham algo em comum: não são grandes aquários (geralmente um 60p), são bem densamente plantados, muito bem podados e adensados com grandes e gordas moitas de plantas de caule no plano traseiro e fechado de carpete no plano frontal, iluminação de qualidade com considerável intensidade, embora não em excesso, quase sempre com layout simples feitos com rochas, sem muitos planos e sem muita inclinação do substrato, raramente lidando com plantas de baixo metabolismo como Anubias e Bucephalandras (pois há pouca ou nenhuma área de sombra adequada para elas), sem excesso de peixes e sempre todos pequenos cardumeiros. Talvez eu possa citar mais características comuns, mas essas são as que mais me parecem relevantes. Esses aquários são tão simples no layout que beiram o estilo holandês, sem qualquer sofisticação desnecessária para um “aquário civil”, como costuma dizer o Sensei André quando se refere aos aquários que montamos para o conforto das nossas casas sem a pretensão de acumular pontos num concurso. Essa simplicidade é útil porque não deixa o aquarista perder tempo ou dividir energia com muita coisa além do que realmente importa num aquário plantado; a saúde das plantas e o desempenho do aquário enquanto ecossistema. Esse, senhores, é o que chamei na minha última aula de “aquário essencial” ou “aquário escola” e é um conceito que visa lastrear a prática do aquário plantado, o caminho mais baixo, mais fácil, mais previsível na medida do possível, mais reto e, por fim, mais didático.

Para não deixar essas descrições no plano subjetivo, vou enumerar algumas características que vejo como importantes para quem se interessar em experimentar montar um aquário essencial ou um que se aproxime dele. Quero deixar claro que isso não é uma fórmula, é um estudo de dissecação máxima do aquário plantado. Estou reduzindo-o ao mínimo possível sem que ele deixe de ser um aquário plantado e passe a ser apenas um aquário com plantas. Vejamos:

1-     Dê preferência para aquários entre 70 e 120 litros. É um bom tamanho para trabalhar com abundância de recursos sem se tornar caro e trabalhoso demais nas manutenções e nem pequeno demais que acabe tendo um equilíbrio instável ou frágil demais;

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Figura 2 – Dificuldade do aquário plantado baseado no tamanho.

2-     Conceba um aquário quase plano com leve inclinação do substrato ascendente em direção ao vidro traseiro feito apenas de substrato fértil. Esqueça os caminhos e prainhas de areia. O objetivo é dedicar quase 100% da área de incidência de luz para a fotossíntese das plantas para termos o máximo de consumo;

3-     Use algumas rochas para trazer algum tema ou energia ao aquário e afastá-lo dos holandeses, caso não goste. Se praticar algum layout, o faça de forma bem básica, com rochas firmemente calçadas no substrato, sem calços nem contenções para não haver trabalho desnecessário com manutenção e nivelamento de substrato;

4-     Rochas são mais fáceis de lidar que madeira. Se trabalhar com galhos e raízes, o trabalho sobe dois pontos na régua da dificuldade e trabalho de manutenção. Use apenas uma peça de madeira, de preferência uma que permita acesso de todos os lados para limpeza;

5-     Partindo do pressuposto de que o aquário tem uma iluminação de boa qualidade, trabalhe com média intensidade, em torno de 60% (isso pode variar de marca para marca e distância do espelho d’água). Estabeleça a intensidade ideal como aquela que permita o carpete crescer sem subir por falta de luz. Não se preocupe com plantas vermelhas, mas se quiser tê-las, aumentará um ou dois pontos na régua da dificuldade.

6-     Use CO2 em torno de 50 mg/L. Esqueça o drop-checker, melhor nem vê-lo no aquário;

7-     Escolha plantas de caule de metabolismo rápido como as Rotalas para compor as plantas do fundo e trabalhe bem nas podas para adensá-las. Limnophilas e Ludwigias aumentam um e dois pontos na régua da dificuldade respectivamente. Esqueça plantas difíceis como a Rotala wallichi, Rotala macrandra, Hottonia palustris, Alternanthera reinickii, Hemianthus micranthemoides etc;

8-     Para o plano médio em torno das rochas, tenha calma ao usar a Staurogyne repens e a Pogostemon helferii, pois são plantas um pouco mais difíceis que as Rotalas e podem levar algum tempo para se adaptarem ou até morrerem sem que seja sua culpa. Isso acontece com todos os aquaristas. Plantas invasoras como Echinodorus tenellus, Eleocharis mais altas e Marsileas aumentam um ponto na régua do trabalho dispendido, pois será necessário controlar a propagação dos estolhos com frequência;

9-     Para o carpete escolha plantas que cresçam rápido como a Callitriche, a Eleocharis japan e a Glossostigma elatinoides. É mais fácil saber se alguma coisa está errada quando elas não crescem bem. Outras como a Hemianthus callitrichoides cuba, Monte carlo e Utricularia graminifolia são plantas que podem dar trabalho para se adaptar ou demorar bem mais para fechar o substrato exposto à luz;

10-  Se usar troncos, esteja ciente da relativa dificuldade de manter Cryptocorynes com boa saúde e aparência. Se usá-las, aumenta um ponto na régua da dificuldade;

11-  Musgos aumentam a dificuldade e o trabalho de manutenção, pois podem se tornar invasores no carpete quando soltam pedaços e acumular sujeira quando estão densos, facilitando o surgimento de algas sobre eles. Usá-los aumenta dois pontos na régua do trabalho;

12-  Trabalhe com o KH mais alto para permitir uma concentração de CO2 mais alta. Em torno de 6 ou 7 é um bom valor, pois o CO2 pode subir sem baixar demais o pH no fotoperíodo;

13-  Use poucos peixes, de preferência algueiros, para evitar entrada de material orgânico pela ração em excesso. Otocinclus, Parontocinclus e Nannostomus marginatus são boas escolhas. Se escolher outros peixes, componha com comedores de caramujos como os ramirezis e mocinhas oferecendo ração com um pouco menos de frequência. Se usar cardumeiros, mesmo pequenos como os neons e tetras, será necessário alimentá-los com mais frequência e isso aumenta 2 ou 3 pontos na régua da dificuldade. Alimente os peixes no máximo dia sim, dia não;

14-  Experimente manter esse aquário com fertilizantes “all in one” ao invés de tentar achar a sua própria fórmula usando fertilizantes dedicados. Quanto menos informação nesse sentido operando sobre o aquário pode ser melhor.

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Figura 3 – Modelo de um aquário essencial ideal cumprindo praticamente todos os princípios simplificativos. É impossível torná-lo mais simples que isso sem alterar sua dificuldade e desempenho.

Eu poderia enumerar infindáveis princípios simplificativos do aquário plantado, mas acho que isso é o suficiente para todos entenderem o que quero dizer: a ideia é montar um aquário muito simples na flora e no layout, mas sem perder a elegância, a produtividade e o desempenho do aquário plantado. Partindo desse caminho, o aquarista pode subir a régua e experimentar coisas mais difíceis como avermelhar as plantas, abrir espaços não plantados no substrato com areia, usar mais rochas, empilhar mais layout, subir mais o substrato, trabalhar planos diferentes de plantio, usar plantas mais exigentes etc. Esteja ciente que cada pedra posta no aquário é um volume a menos de planta consumidora.

Gosto da ideia do aquário essencial ser um aquário escola porque o iniciante (e muitas nós mesmos mais experientes) podemos nos focar quase que exclusivamente em aprender sobre a fisiologia das plantas e dar toda a nossa atenção às diversas nuances dos eventuais sintomas de deficiências nutricionais, bem como as algas que possam estar presentes. É um aquário que é mais fácil de manobrar e compreender e tudo pode ganhar um sentido bem mais profundo se entendermos que esse aquário essencial é, na verdade, uma célula, um fractal de um aquário mais sofisticado. Se em algum momento despertarmos o esclarecimento de que algo maior possui, em seu núcleo, as mesmas propriedades de seus fractais ou suas partes, então estamos prontos para aquários maiores, mais complexos, mais exigentes e desafiadores, ou ainda os menores, mais instáveis, mais lentos e mais traiçoeiros; podemos finalmente enfrentar esses tigres, pois, afinal, são a mesma coisa, só que mais dinâmicos.

Imagem4Figura 4 – Dois exemplos de aquários essenciais com certas particularidades. Aquários de Alexandre Carvalho – @ale83carvalho (esquerda) e Aquabase (direita).

Espero que esse artigo possa ajudar os aquaristas que estão confusos e perdidos. O aquário essencial é o caminho de volta ao ponto de partida, ele precisa se tornar fácil para todos. Se está com problemas, faça uma análise dos pontos em que seu aquário se afasta da forma essencial e avalie o quanto ele ganhou em dificuldade. Se possível, traga-o de volta, simplifique-o até o ponto que consiga retomar o controle. Se está começando agora, monte um aquário assim e aprenda a ler os sinais, a manobrar os parâmetros e, principalmente, a esperar. Às vezes, a dificuldade está em ter um sistema que se simplificou além da conta, ficando incompleto, como um low-tech. O aquário essencial, definitivamente, não é um low-tech, mas sim aquele que tem um ritmo de consumo considerável. Parece um paradoxo, mas é verdade. As pessoas às vezes optam pelos low-tech porque parecem mais fáceis de manobrar devido a sua baixa energia, mas não se vai muito longe montado num rinoceronte velho, é preciso mais força, ímpeto, personalidade, consumo e ritmo. Achar que o low-tech dá menos trabalho é um equívoco, pois até pode ser verdade que deem mesmo menos trabalho, mas não entregam a mesma coisa. Se é isso o que quer, ótimo, o low-tech não é um “aquário errado”, só é errado esperar dele a mesma produtividade de um aquário plantado com energia e metabolismo. Espero que isso fique claro dessa vez, porque é comum pessoas pedindo orientação mostrando aquários sem energia e sem metabolismo. É impossível, pessoal! Se o aquário plantado é um organismo vivo, ele só é forte quando se mantém em movimento constantemente crescendo e se desenvolvendo. Hoje já temos soluções mais baratas em filtragem e iluminação compatíveis com aquários menores, o low-tech não se justifica mais como ponto de partida para o aquário plantado mais produtivo. O aquário plantado essencial, de fato, se parece muito mais com um holandês cheio de cores bufando em pearling.

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Figura 5 – Aquário que não cumpre o requisito vital da massa de flora e população de peixes em um ponto crítico. Esses fatores tornam o desempenho e o equilíbrio do aquário muito difícil. Foto gentilmente cedida por Robert Mariano (@robert_aquaterapia_sp)

               Tendo compreendido esse conceito do aquário essencial, realmente mais como um conceito do que um método ou formato, espero ter estabelecido uma referência mais concreta para as pessoas que amam aquários e plantas e um caminho de volta para os que eventualmente perdem suas lutas com os tigres. Comecem aos poucos, pensem simples, aprendam e respeitem o processo para que criem experiência sólida o bastante para se manter no hobby, quem sabe, pelo resto de suas vidas com belíssimos aquários com muito mais vitórias que derrotas.

 

Extra: recomendo aos iniciantes e interessados a leitura do artigo “A maneira correta de partir um aquário plantado” para mais conteúdo prático sobre as partidas.