Como as plantas dormem?
Como as plantas dormem?
Por Eduardo Fonseca Jr
30/11/2021
É bem comum os aquaristas prolongarem o fotoperíodo a fim de acelerar o crescimento das plantas para além de 8 horas. De certa maneira, as plantas crescem mais com mais período de luz, mas isso não é totalmente verdade. Uma coisa é acelerar o crescimento e outra é mantê-las crescendo por mais tempo. Podem parecer a mesma coisa, mas os efeitos dessas duas coisas são completamente diferentes.
Vamos analisar alguns fundamentos para esclarecer algumas coisas:
Conforme estudado de forma bem extensa no Livro 2, a luz não implica diretamente em crescimento e sim em acúmulo de energia. É a fase “foto” da fotossíntese, o que antigamente se chamava “fase clara” da fotossíntese. A luz basicamente produz energia para o crescimento, mas não o crescimento em si. A fase “síntese” da fotossíntese, ou a “fase escura”, assimila o carbono que será destinado para duas funções diferentes: a produção de combustível pela produção de açúcares e a produção de estruturas de esqueletos de carbono, a partir das quais todas as moléculas orgânicas são construídas (lembre-se que quase 50% do peso seco das moléculas orgânicas são feitos dessas estruturas de carbono). Não confunda a “fase escura” como se a síntese do carbono só ocorresse no escuro. Ela era chamada assim porque antes acreditava-se que a síntese do carbono (o Ciclo de Calvin operado pela RuBisCO, por assim dizer) não dependia da luz para ocorrer, mas hoje já se sabe que a enzima RuBisCO tem um componente dependente da luz para funcionar.
Nesse ponto, a fotossíntese completa seu papel e então a planta está pronta para o crescimento. O metabolismo que efetivamente implica no crescimento das plantas é a respiração celular e essa sim opera com muito mais força no período de escuro. Na verdade, o crescimento ainda é resultante da respiração, mas não precisamos entrar nessa dimensão de detalhe. O que precisamos ter em mente é que as plantas crescem no escuro e não na luz. Experimente deixar seu aquário dois dias inteiros no escuro e veja como as plantas esticam. É um crescimento alongado (estiolamento) não desejado pelos aquapaisagistas, mas pode ser muito facilmente observado.
Ok, agora podemos voltar ao assunto.
Um fotoperíodo muito extenso pode aumentar o desenvolvimento das plantas, mas a partir de um certo ponto pode lhes causar um estresse chamado fotoinibição e atrapalhar o desenvolvimento do aquário de forma muito análoga a uma pessoa que não dorme adequadamente. Os efeitos se tornam ainda mais nocivos quando a intensidade luminosa está mais forte de forma a estimular um ritmo metabólico mais acelerado. Portanto, podemos concluir rapidamente que a DURAÇÃO e a QUALIDADE do período de escuro é tão ou mais importante quanto o período de luz e precisa ser respeitado.
Infelizmente, eu dispensei a descrição do mecanismo das plantas em perceber a “hora de dormir” por achar preciosista demais, mas depois de perceber que muitos aquaristas abusam do fotoperíodo na tentativa de dar vigor para as plantas (e se metem em problemas), eu achei que precisava escrever sobre isso para esclarecer de uma vez por todas a natureza desse equívoco.
As plantas possuem um pigmento foto-receptor chamado fitocromo, o qual possui dois módulos, o Fv e o Fve. O módulo Fv absorve o comprimento de onda em 660 nm, enquanto o Fve absorve até no máximo 730 nm. Se você olhar na banda espectral, perceberá que 730 nm já se situa na divisa ou já um pouco dentro dos espectros infravermelhos. Quando há mais absorbância por parte do Fv, ou seja, luz do vermelho longo, em relação ao que o Fve está absorvendo, então a planta está com a fotossíntese ativa. Para ela, o dia está claro. Quando essa razão inverte, ou seja, quando o vermelho longo já não é muito absorvido pelo Fv, mas ainda há muito infravermelho sendo absorvido pelo Fve, a planta percebe que o sol se pôs e é hora de dormir, cessando a fotossíntese. É importante salientar que os fitocromos não participam da fotossíntese como as clorofilas, eles apenas orientam as plantas em relação ao fotoperíodo.
Figura 1 – Gráfico de absorção dos módulos do fitocromo.
Agora temos duas condições, a natural e o aquário.
Na condição natural, essa razão entre 660 nm e 730 nm se invertem lentamente, levando cerca de 2 horas para efetivamente “por as plantas para dormir”. Depois dessas duas horas, ainda é preciso cerca de 10 horas ininterruptas de escuro para os ciclos metabólicos noturnos se completarem. Ou seja, são necessárias 12 horas de escuro para as plantas repousarem em condição natural. Note que dias longos e dias curtos decorrentes das estações do ano influenciam esse metabolismo, fazendo certas plantas florirem em dias curtos, como as orquídeas Cymbidium e os ipês que dão flor no outono e no inverno, e outras em dias longos, como a maioria das angiospermas tropicais.
Na condição do aquário, por sua vez, não existe essa inversão na composição dos espectros 660 nm e 730 nm. Talvez nem exista a emissão do infravermelho 730 nm em quantidade significativa. Quando as luzes se apagam, as plantas simplesmente levam horas para serem induzidas ao sono sem o estímulo das Fve e devem demorar mais ainda para completar o ciclo metabólico noturno. Não sabemos se a regularidade do fotoperíodo do aquário condiciona as plantas a entrarem no modo noturno mais rapidamente, mas de qualquer forma sabemos que é preciso pelo menos 10 horas imperturbáveis de escuro para que respirem e cresçam em paz. Com base nisso, não vale a pena prolongar o período de luz além de 8 horas para estimular as plantas e correr o risco de sacrificar seu ciclo fisiológico de manutenção e crescimento. É melhor então que se aumente a intensidade luminosa (aumentando o ritmo do sistema) e preserve o escuro mais longo e saudável. É de conhecimento dos mais experientes que 7 ou 8 horas de período de luz são o bastante para conseguir um aquário forte e bem descansado.
Figura 2 – Rotala empinando as folhas como sinal de excesso de luz ou fotoperíodo muito extenso.
Já existem luminárias que simulam essa inversão do 660-730 nm, mas não para aquários. Elas são usadas em horticultura indoor para acelerar a produção de consumo ou estimular florações. Essas luminárias fazem a rampa de inversão bem mais acentuada, o que reduz o tempo de “adormecimento” das plantas de 2 horas para apenas 15 minutos. Particularmente para os aquários, não sei onde estaria a vantagem disso, pois em sistemas de alto ritmo já existe o estresse do excesso de podas e acelerar ainda mais o crescimento pode envelhecer mais rapidamente os aquários. Contudo, se tratando se melhorar a qualidade do período de escuro das plantas, não sabemos os efeitos que isso poderia nos trazer. De qualquer maneira, acredito que os benefícios seriam irrelevantes.
Já me antecipando às dúvidas, alguns perguntariam se há problema para aqueles aquários que acendem a noite e passam o dia numa semiescuridão tomando luz indireta de janelas e sacadas. Sim, totalmente. Essas plantas estão com fotossíntese ativa sem CO2 e estão mal dormidas. Elas podem não crescer muito bem, responder mal às podas e não avermelhar com facilidade porque podem estar sofrendo em algum nível de foto inibição, sem contar com o problema foto respiratório que não vamos tratar aqui (esse sim está bem descrito no Livro 2 e suas consequências no Livro 3). O ideal é que se ajuste o fotoperíodo para diminuir ao máximo o tempo de escuridão perturbada que pode ser facilmente percebida com as plantas se inclinando para a fonte de luz indesejada, o que é uma evidência clara de que estão com fotossíntese ativa em período que não deveriam estar. Em casos de muita exposição de luz indesejada pode ser uma boa ideia cobrir o aquário com tecido escuro ou bloqueador. Sei que não é agradável fazer isso, mas para alguns essa pode ser a única solução para sincronizar o momento em que estão em casa com luz ativa em condições de fertilizar (sempre fertilize na luz) e o período de escuridão sem perturbações.