Cianobactérias – o que fazer?

Cianobactérias – o que fazer?

Por Eduardo Fonseca Jr
18/02/2021

 

As cianobactérias são um problema muito comum não só para os aquaristas iniciantes, mas para os mais experientes também. Elas costumam aparecer nos inícios de montagem, nas primeiras semanas, e começam com pequenos focos que, ou desaparecem espontaneamente, ou se tornam um surto difícil de controlar. Há muitas formas difundidas na internet de como combatê-las, mas quase nenhuma delas funciona de verdade e acabam piorando a situação ao invés de ajudar. Isso é quase uma lei no aquário plantado; o que não ajuda tende a piorar. Dificilmente uma intervenção passa despercebida pelo sistema e caso essas intervenções representem algum atraso às plantas, elas deterioram o aquário.

Vamos conhecer melhor as cianobactérias para entender como devemos agir.

As cianobactérias são bactérias com habilidades fotossintetizantes, ou seja, elas adquirem carbono pela fotossíntese ao invés daquele proveniente da decomposição orgânica. Apesar de se assemelharem muito às algas clássicas, elas não são algas verdadeiras e algumas de suas habilidades bacterianas tornam seus surtos difíceis de serem controlados com os mesmos métodos que controlamos outras algas. Além disso, elas intoxicam a água com toxinas muito nocivas ao fígado e tornam os peixes impróprios para o consumo. São chamadas de cianobactérias (algas azuis) porque seus pigmentos podem adquirir várias tonalidades como verde, azul e até vermelho de acordo com a luz disponível no ambiente. No aquário elas tem o aspecto de filme plástico verde, algo como uma geleia que “embrulha” plantas, pedras, cascalho e vidro, e tem um cheiro muito forte que lembra o mofo.

 

ciano 1

Figura 1 – cianobactérias no aquário em surto avançado.

Uma de suas habilidades é conseguir sintetizar o N2 atmosférico como fonte de nitrogênio da mesma forma que as rizobactérias, o que as torna capazes de se proliferarem plenamente mesmo na ausência de nitrato e ou amônia. Logo, um ambiente com pouca ou nenhuma presença de nitrogênio que possa favorecer as algas verdes cria uma janela de oportunidade perfeita para as cianobactérias que terão o fósforo só para elas. É por essa razão que se costuma ouvir por aí que uma baixa razão N:P favorece as cianobactérias e tende a inibir as algas verdes. Bem, não é bem assim. Algumas algas verdes também gostam de razões N:P mais baixas também, mas é preciso ter outras condições presentes para o sistema favorecer mais uma coisa do que outra. Isso é realmente um assunto bastante complexo que será tratado com muito mais detalhes posteriormente, no livro 3.

 ciano 2

Figura 2 – Surto de cianobactérias em ambiente natural.

Outra condição que favorece as cianobactérias é a presença de amônia. Como a amônia sempre está presente no início das montagens quando o biofiltro ainda não está pronto para lidar com toda a amônia produzida pelo sistema, as cianobactérias são um evento comum. Em alguns casos elas não evoluem para o surto e somem lentamente conforme o biofiltro amadurece. Em outros casos elas seguem em frente em formam colônias que adquirem força e cobrem tudo. É quando começam os erros mais comumente difundidos nos fóruns. Vejamos por que alguns deles simplesmente não funcionam:

  • Apagão – o apagão atrasa o desenvolvimento não só das cianobactérias, mas das plantas também, logo, é mais fácil destruir o aquário com o apagão prejudicando a resposta das plantas ao surto do que o próprio surto que possuem mecanismos e vantagens para sobreviver à falta de luz. As cianobactérias possuem um pigmento carotenoide no interior da célula que as orienta na direção da luz. Se a luz está forte elas formam colônias no fundo do aquário, se está moderada elas crescem nos vidros e nas partes mais altas. Quando ocorre o apagão elas se desprendem das colônias, inflam seus vacúolos com N2 e procuram a luz. É comum voltar a luz e ver o aquário todo turvo e verde; elas estão soltas procurando algum ponto que haja luz para ancorarem. Definitivamente a falta de luz é muito mais prejudicial às plantas que às cianobactérias e quem tem sucesso fazendo o apagão é porque provavelmente o surto já estava no fim e iria acabar por si mesmo APESAR do apagão.
  • Remoção ou regime de fosfatos – sim, o fosfato multiplica o surto das cianobactérias, mas combatê-las somente diminuindo/cessando a fertilização de P ou removendo o P com resinas não funciona de jeito nenhum porque as cianobactérias são capazes de acumular P em suas células em quantidade suficiente para se multiplicarem quatro vezes. Quando percebem a falta de P aceleram a multiplicação celular para aumentar as chances de sobrevivência das colônias e tudo parece piorar. Se o regime continuar, as plantas serão prejudicadas antes das cianobactérias e a própria deterioração das plantas fornecerá o P necessário para as colônias perpetuarem. Esse é o caminho mais sem futuro de todos.
  • Tentar aumentar a razão N:P – uma razão N:P mais alta inibe o surgimento das cianobactérias quando elas ainda não apareceram, mas é inútil quando elas já estão lá porque elas são muito adaptáveis e vão se beneficiar de todo o nitrato da fertilização, logo, vai piorar a situação.
  • Tentar mudar a iluminação – realmente as cianobactérias são dotadas de pigmentos especiais chamados ficobiliproteínas capazes de absorver espectros de luz que a fotossíntese das plantas superiores não pode. Esses pigmentos as colocam numa grande vantagem em relação às plantas, especialmente em aquários com iluminação inadequada, aquela com concentração nos espectros amarelo e verde. Contudo, alterar a iluminação depois que elas já se estabeleceram também só vai piorar o problema porque elas vão se beneficiar dos espectros “mais nobres” tanto quanto as plantas porque também são dotadas de clorofila a.
  • Muita TPA e aplicação de água oxigenada nas colônias – extrair ou destruir as colônias que ainda estão pequenas para prevenir surtos maiores ajuda quando elas estão em regressão, mas somente isso não consegue inibir o desenvolvimento do surto quando existem outras condições favoráveis impulsionando as colônias. Acaba sendo um trabalho de enxugar gelo porque elas se multiplicam mais rapidamente do que são extraídas.

Mesmo quando todas as condições estão cuidadosamente reguladas, ainda é comum o surgimento das cianobactérias. Elas são muito adaptáveis e é difícil descobrir as causas, mas assim que se nota a presença delas a primeira coisa a rever é a proporção na fertilização de N e P; ou baixa um pouco o P ou sobe um pouco o N. Não vamos falar de resultados de testes e números, eles são inúteis. A coisa precisa ser muito mais simples e efetiva que isso. Basta que “sobre” um pouco de N em relação ao P para consertar a razão. Algumas algas vão dar essa pista: algas verdes filamentosas começam a ficar mais duras e menos gelatinosas. Quando isso é observado a razão já está mais para o N do que para o P, mas só isso não vai destruir os focos.

 

ciano 3

Figura 3 – À esquerda algas filamentosas típicas de baixa razão N:P, mais macias. À direita algas filamentosas típicas de alta razão N:P, mais duras.

O que realmente vai acabar com elas é a administração de antibióticos como a Azitromicina ou a Eritromicina. Uma vez que são bactérias, as células morrem rapidamente com antibióticos como qualquer outra bactéria. O problema é não dosar da forma correta, insuficiente ou por período curto demais de forma a diminuir o surto sem destruí-lo. Isso pode fazer com que elas fiquem mais fortes e resistentes aos antibióticos e uma eventual dose maior ou mais prolongada pode fazer mal ao biofiltro ou até mesmo às plantas. Não devemos nos esquecer que dependemos muito das bactérias nitrificantes do biofiltro e devemos ficar atentos aos sinais de que foram prejudicadas como água turva ou surgimento de algas marrons por exemplo. Os antibióticos também podem fazer mal às rizobactérias, aquelas associadas às raízes das plantas e que auxiliam na nutrição delas. Perder as rizobactérias é uma das piores coisas que pode acontecer a um aquário plantado, é muito pior que perder o biofiltro. Por isso é preciso ter muito cuidado com super dosagens ou lidar com surtos de cianobactérias de forma frequente usando antibióticos. Se os surtos se tornam recorrentes é porque existem condições favoráveis que precisam ser corrigidas, geralmente na razão N:P ou presença de amônia, como em aquários com muitos troncos com decomposição ativa ou plantas que estejam passando por problemas nutricionais.

 

Aos adeptos da Razão de Redfield

A Razão de Redfield, conforme eu já escrevi em um outro artigo, é provavelmente o conceito mais mal interpretado do aquário plantado. Para começar, é uma teoria sobre o plâncton marinho e os números obtidos por essa teoria reflete o ambiente propício para o plâncton marino e não tem nada a ver com as plantas. Contudo, a teoria é válida para o aquário plantado, embora os números sejam totalmente diferentes. Quais os números? Nós não sabemos. Ninguém sabe exatamente o número mágico da razão N:P que vai inibir as algas azuis, as algas verdes e ainda favorecer as plantas. Nós nem sabemos se a razão que favorece as plantas realmente está num ponto entre não favorecer nem algas azuis nem verdes, talvez esteja mais de um lado que para o outro. Seria muito conveniente que estivesse exatamente no meio, num ponto neutro, mas seria muito conveniente e duvido que seja assim.

Portanto, esqueça sobre querer testar valores de nitrato e fosfato e tentar ler alguma razão por que a porção de N na razão não é composta somente de nitrato, mas também do nitrito e da amônia (vai saber se os aminoácidos não entram nesse número também) e a porção de P abrange todas as quatro formas de fosfato e não sabemos se os testes conseguem ler muito bem as quatro. Além disso, a razão não é simplesmente um número em mg/L dividido pelo outro, é em mol e para se chegar a esse número é preciso fazer muitos cálculos subtraindo a massa atômica de N e de P de todas as moléculas envolvidas. É uma tarefa impossível se levarmos em consideração a precisão dos testes, o fato de não lerem o fosfato precipitado nas rochas e sedimentos e a imprecisão dos cálculos. O número se torna totalmente irrelevante para nós. O que nos importa é saber que essa razão existe, saber como identificar por meio da observação de quais tipos de algas prevalecem e saber corrigir por meio da fertilização.