A maneira correta de iniciar um aquário plantado
Por Eduardo Fonseca Jr
07/02/2020
Muitas pessoas fracassam no aquário plantado devido a falta de experiência no momento da partida do sistema. De fato, é mais difícil decolar um avião do que mantê-lo no ar e muita gente que tenta ou já tentou (e acabou desistindo) de ter um aquário plantado saudável, equilibrado e estável, nunca teve a chance de chegar ao ponto de apenas “tocá-lo em frente”. Eu sempre digo aos meus alunos que a partida de um sistema é realmente difícil e muita coisa pode dar errada ao ponto de demorar muitos meses para se conseguir por tudo nos eixos. É como tentar remar ao mar aberto a partir de uma praia; a área de rebentação das ondas é a parte mais difícil de atravessar e é justamente o início do caminho. Depois da rebentação o mar ainda é agitado, mas as ondas não estouram mais sobre a jangada. Logo adiante o mar se torna muito mais calmo e é possível abrir as velas para que o vento te leve para longe sem muito esforço. Partir um aquário plantado é exatamente assim.
Existe uma porção de parâmetros e conceitos que precisam ser dominados para assegurar um desenvolvimento rápido e constante do aquário e tudo isso depende do quanto você conhece seu projeto. Alguns aquários são mais difíceis que outros, portanto, a primeira coisa a se ter em mente antes de montar um aquário plantado é planejar o quanto se pretende investir, tanto em relação a dinheiro quanto em relação ao seu tempo, para então planejar que tipo de aquário é aquele que você PODE montar e não aquele que você QUER montar.
Mas o que determina a dificuldade de um aquário?
Bem, isso é um assunto um tanto longo e complexo, mas basicamente consiste na sua proporção entre ritmo metabólico x consumo.
Esse é o conceito primário do aquário plantado. Um ritmo forte não significa necessariamente um aquário difícil, basta atendê-lo com um consumo proporcional. Um exemplo de alto ritmo e alto consumo são os aquários de rochas densamente plantados com espécies de caule fazendo moitas e densos carpetes sob luz relativamente forte, farta fertilização e CO2. Esso é o aquário mais fácil de cuidar, embora demande bastante manutenção porque as plantas crescem muito vigorosamente.
Figura 1 – Aquário de alto consumo. Tende a ser mais fácil manter, embora seja de alto ritmo.
Outro exemplo é um aquário feito apenas de carpete e musgos sob luz igualmente forte, os famosos Iwagumi. São os sistemas mais difíceis de cuidar porque o ritmo imposto pela luz não é aproveitado proporcionalmente pelas plantas que consomem muito pouco e abrem uma condição muito favorável às algas. Se adicionar troncos e raízes a coisa se torna ainda mais difícil. Note que quanto mais se aumenta o ritmo em relação ao consumo (ou demanda), mais se anda no fio da navalha.
Figura 2 – Aquário de baixo consumo. Tende a ser mais difícil manter, pois abre oportunidades para algas mais facilmente.
Pressupondo que todos saibam disso, podemos avançar para os conceitos mais simples.
Quando um sistema é enchido de água ele ainda não é um ecossistema, ainda não é um organismo vivo, ele ainda não é nada; o filtro ainda não nitrifica, o substrato está carregado demais e as plantas ainda não fazem fotossíntese (por geralmente estarem na forma emersa antes de se transformarem), contudo, a luz já está operando e os nutrientes já estão presentes e essa combinação, e por ainda não haver consumo, resulta no momento mais vulnerável do aquário. É preciso prover alguns recursos para que o aquário possa se tornar vivo e comece a se auto sustentar da maneira mais rápida possível, e feche essa janela de oportunidades antes que as algas dominem a biossistema. De certa maneira através da competição, quem chegar primeiro, plantas ou algas, é quem vai imperar no sistema e suprimirá o outro. Isso é o que atrasa o equilíbrio das partidas e é onde muitos desistem porque, de fato, algumas vezes as condições se tornaram tão propícias às algas que elas próprias conseguem perpetuar tais condições de maneira irreversível apesar de qualquer esforço por parte do aquarista. Não desanimem, até aquaristas muito experientes “perdem a mão” algumas vezes e se veem nessa situação de abortar o projeto e começar tudo de novo, o que pode ser mais rápido, mais barato e menos frustrante.
Vamos às prioridades para a partida do aquário plantado:
1- Estabelecimento do biofiltro. O filtro precisa começar a nitrificar o mais rápido possível e, para isso, as condições químicas fundamentais para o estabelecimento e proliferação das colônias precisam ser atendidas de maneira muito estável, ou seja, o monitoramento do aquário nesse momento deve ser constante para não ocorrer atrasos para o início da nitrificação. O uso das bactérias é importante, mas é inútil se essas condições fundamentais não são atendidas. O principal parâmetro é o KH, uq e deve estar acima de 4. Pode ser difícil conseguir manter o KH alto na partida por conta da neutralização dos tampões pelos ácidos orgânicos oriundos do substrato ainda muito carregado, troncos e raízes e plantas troncando suas folhas. Não se impressione se precisar consumir grandes quantidades de tamponador por semana (dependendo do sistema) se necessário.
Sem KH adequado a nitrificação simplesmente não funciona e a sobra de amônia é o principal gatilho para as algas.
Figura 3 – Conduta utilizada pela maioria dos aquaristas inexperientes para a partida dos aquários.
2- Transformação das plantas da forma emersa para a forma imersa. Na forma emersa elas ainda não conseguem realizar a fotossíntese porque seus órgãos captadores de CO2 não são eficientes sob a água. É preciso ajudá-las a ter acesso ao CO2 até que completem a transformação e cumpram seu papel no consumo do aquário. O CO2 precisa ser injetado com mais força que o normal, geralmente atingindo concentrações por volta de 50 a 70mg/L, para que o “boundary layer” seja vencido mais facilmente e seja pressionado para dentro das plantas. Aqui o aquarista se depara com o primeiro grande desafio da partida: como manter uma concentração tão alta de CO2 e ao mesmo tempo conseguir manter um KH acima de 4 (sendo que o primeiro tende a neutralizar o segundo)? É por isso que um pote de tamponador por semana não é um absurdo no caso de aquários grandes com troncos, muitas plantas em transformação e muitos filtros em série consumindo bicarbonatos. Em alguns casos é simplesmente impossível manter o KH acima de 4 com tanto CO2, então é preciso sacrificar um pouco da concentração do CO2 para aliviar as condições para o biofiltro. Não se espante de esgotar um cilindro inteiro de CO2 na metade do tempo que esgotaria em condições normais nesse momento.
Peixes nesse momento nem pensar!
3- Circulação de água e distribuição de oxigênio para manter um bom redox. Água parada, além de favorecer o crescimento de fungos em raízes e troncos (o que mata os musgos eventualmente fixados nestes), aumenta o boundary layer nas plantas que estão justamente lutando contra ele para se transformar. Em outras palavras, é a mesma coisa que não injetar CO2 nenhum. A movimentação da água favorece inclusive a oxigenação do biofiltro e a manutenção do KH, mas, ppor outro lado, volatiliza mais CO2. Isso não é um grande problema. CO2 é um gás barato. Não hesite em usá-lo. No período de escuro, quando o CO2 está desligado, é um ótimo momento para melhorar as condições para o biofiltro e ligar um sistema de aeração. Isso faz com que o KH se regenere mais facilmente para o próximo período de luz (demandando menos o uso de tampão em alguns casos) e ajuda as plantas respirarem e acelerar a transformação.
Figura 4 – Fase 1 da partida do aquário plantado. Note como a oferta das necessidades das plantas são maiores que o ritmo e o consumo.
4- Diminuir a carga inicial de amônia. Como o sistema ainda não oferece consumo, é importante o aquarista drenar o máximo de amônia que puder de várias formas: usando mídias biológicas vivas “emprestadas” de outros sistemas de filtragem em seu biofiltro, usando plantas já adaptadas (nem é preciso plantá-las, no vasinho já é o bastante e é até melhor por estarem com as raízes expostas à circulação de água) de preferência aquelas de forte metabolismo e muita troca parcial de água (tpa). As tpas são imprescindíveis e o volume depende de cada tipo de sistema. O problema de tpas muito volumosas é que as condições químicas previamente estabelecidas são desfeitas. Aquários tendenciosos a produzir muita amônia como aqueles com muitos troncos e raízes e aqueles que eventualmente tenham problemas com morte de plantas durante a transformação convém aumentar o volume e a frequência das tpas, caso contrário a amônia pode por tudo a perder. Tudo o que estiver morto no aquário deve ser removido o mais rápido possível.
Figura 5 – Fase 2 da partida. Na medida em que as plantas se transformam e aumentam o consumo, mais ritmo é fornecido, porém, mantendo a alta oferta de recursos.
5- Não exigir muito ritmo logo no começo. O ritmo é imposto pela luz, então iluminação muito intensa (ou relativamente intensa, isso depende de cada sistema), põe todo o sistema em grande risco, pois é o chamado para o consumo das algas no lugar das plantas. É preciso “sentir” o aquário pedindo mais ritmo na medida em que ele ganha autonomia e ir aumentando a intensidade da luz aos poucos. Quem manda no ritmo é o consumo, mas só devemos fornecer mais ritmo quando percebemos que o consumo alcança potencial para acompanhar o aumento de energia, caso contrário é como exigir alto rendimento de um atleta ainda sub condicionado.
Figura 6 – Fase de aquário maduro e estável com as ofertas ajustadas acima do consumo e do ritmo.
6- Saber quando começar o regime de fertilização. Esse momento depende muito do estilo de cada aquarista. Alguns fertilizam logo na primeira semana, outros depois da segunda, outros ainda esperam as plantas “pedirem” quando concluem a transformação. De qualquer forma, essa é a última etapa para o sistema adquirir vigor e é impossível esperar esse vigor dependendo apenas do substrato, não importa o quanto ele seja fértil. O estilo de fertilização (nutrientes dedicados, combinados, etc) também deve ser compatível com o projeto em andamento. Quanto mais exigente o sistema, mais dedicado e independente deve ser a administração dos nutrientes.7- Ajustar as eventuais condições de micro-habitat propícias ao desenvolvimento de algas. Conforme já discursado em outro artigo, embora muitos aquaristas sofram de muitos problemas antes deste, algumas vezes acontece do aquário estar em boa forma e mesmo assim ser incomodado por algas que se mostram mais favorecidas que outras. Isso ocorre porque algum parâmetro do sistema está configurando uma condição específica para tal tipo de alga, é o que chamamos de microhabitat. É um problema mais comum de aquaristas mais experientes os quais obedecem as prioridades anteriores com rigor. Esse ajuste só pode ser resolvido com alterações minuciosas na razão de macronutrientes. É quando as fertilizações combinadas falham por não oferecerem nutrientes desvinculados.
Cada sistema é um sistema muito particular, portanto essas observações podem variar conforme as condições variem. Mas basicamente esses preceitos devem resolver a maioria das partidas sem grandes problemas apesar de requererem certa experiência para saber quais decisões tomar, uma vez que esses parâmetros em conjunto sejam um “cobertor curto” de forma que muita prioridade em um sacrifica significativamente os outros.
Quando o aquário adquire constância nesses parâmetros e o consumo se estabelece, o sistema se torna mais estável. Então é possível reduzir o fornecimento do CO2, diminuir a frequência e o volume das tpas e o próprio KH muitas vezes se torna mais fácil de manter (às vezes não, dependendo do sistema). É o momento de por os peixes, de podar constantemente as plantas para adquirirem densidade e aumentar a luz caso o projeto admita. No caso de aumentar o ritmo, é preciso ficar atento e aumentar os recursos de maneira proporcional para não abrir janelas de oportunidades para as algas. Lembre-se que os recursos devem sempre ser superiores ao ritmo e nunca o contrário, embora o segundo caso é o que acontece na maioria das vezes, especialmente com os aquaristas inexperientes.
** O texto acima é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião da Aquabase.
Créditos das fotos: aquários de Luca Galarraga, Ana Cinato e Thiago Gonçalves de Oliveira respectivamente.